domingo, 20 de fevereiro de 2011

SÉRIE - MITOS LITÚRGICOS COMENTADOS - Mito 6: Jesus Crucificado ou Ressuscitado?

Mito 6: "É mais expressivo no altar a imagem de Jesus Ressuscitado do que de Jesus Crucificado"

Não é.

A Instrução Geral do Missal Romano determina (n.308):

"Sobre o altar ou junto dele coloca-se também uma cruz, com a imagem de Cristo crucificado, que a assembléia possa ver bem. Convém que, mesmo fora das ações litúrgicas, permaneça junto do altar uma tal cruz, para recordar aos fiéis a paixão salvadora do Senhor."

Essa cruz alude ao Santo Sacrifício de Nosso Senhor, que se renova no altar. Nosso Senhor está vivo e ressuscitado, mas a Santa Missa renova o Sacrifício.

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Comentário sobre este Mito (14/05):

"A linguagem da cruz é loucura para os que se perdem, mas, para os que foram salvos, para nós, é Força Divina . (...) Nós pregamos CRISTO CRUCIFICADO, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos; mas, para os eleitos - quer judeus, quer gregos -, Força de Deus e Sabedoria de Deus." (I Cor 1, 18-24)

A Cruz, que para a antiguidade era um dos sinais mais repulsivos existentes, para nós se tornou Sinal da Salvação. Da mesma forma que São Paulo, o Apóstolo São João expressa isso de forma maravilhosa. Como dissemos na postagem anterior deste estudo, o Apóstolo define o momento do Sacrifício de Nosso Senhor como o momento em que "o Filho do Homem é Glorificado". (Jo 13,31) No Calvário se esconde a Glória.

A Santa Igreja Católica Apostólica Romana, em suas legítimas tradições litúrgicas Ocidental (Latina) e Oriental, enfatizou elementos distintos ao se deparar com o Mistério Pascal - o Mistério de Paixão, Morte e Ressurreição de Nosso Senhor. Enquanto o Oriente enfatizou mais o aspecto da divinização do homem (ou seja, o homem participa da Natureza Divina pela graça santificante) e da Ressurreição, o Ocidente, principalmente a partir do século XIII, enfatizou mais o aspecto da remissão dos nossos pecados e do Santo Sacrifício do Calvário, que nos salva.

Sobre essa legítima distinção, nos fala o Cardeal Ratzinger, hoje Papa Bento XVI, no seu maravilhoso livro "Introdução ao Espírito da Liturgia":

"A separação do Ocidente e do Oriente no âmbito das imagens , que ocorreu a partir do século XIII, abre caminhos espirituais com motivos totalmente diferentes."

E falando a respeito do desenvolvimento da Liturgia no Ocidente, explica:

"A orientação para Oriens, para o Ressuscitado que caminha diante nós, é substituída pela devoção à cruz, baseada mais no histórico. Mesmo assim, essa diferença que se gerou não deveria ser excessivamente valorizada. A representação da dolorosa morte de Cristo na cruz é, sem dúvida, uma novidade, contudo, ela não deixa de representar aquele que sustentou as nossas dores, aquele, cujos vergões foram a nossa Salvação. Mesmo na extrema dor, ela representa o Amor Redentor de Deus."

E mais adiante:

"As imagens são consoladoras, porque os nossos tormentos parecem superados mediante a Compaixão de Deus Encarnado, contendo ao mesmo tempo a mensagem da Ressurreição. Também essas imagens tem a sua origem na oração, na meditação interior sobre o caminho de Cristo; elas sao identificações com Cristo, tendo por base o pensamento de que Deus se identificou conosco através Dele. Elas abrem o realismo do Mistério, mas não o abandonam."

Ícone Oriental (Bizantino) do "Pantokrator",
mostrando Cristo Glorificado
É claro que NÃO nos opomos a que sejam utilizados elementos artísticos da Liturgia Oriental em nossas igrejas, capelas e oratórios, pois estas diferenças entre as tradições legítimas, verdadeiramente católicas, são riqueza para todos nós. Conheço igrejas e capelas, por exemplo, com ícones orientais belíssimos, que ligam o nosso coração ao Céu!

Mas vamos ao problema:

A questão é que alguns liturgistas, adeptos da teologia modernista, ou influenciados pela mesma, com a justificativa de inserir em nosso meio elementos da Liturgia Oriental, muitos deles que nos ligam a Igreja dos primeiros séculos, estão fazendo isso com o intuito de abolir a tradição da Arte Litúrgica Ocidental, que como o Papa nos explica nas citações expostas acima, também é legítima, gerou muitos santos no segundo milênio e faz parte da nossa tradição cultural.

Arte Litúrgica Oriental sim; ABOLIR a Arte Litúrgica ocidental, NÃO!

Tais liturgistas utilizam esse justificativa como estratégia, por exemplo, para abolir que se coloque a imagem de Jesus Crucificado sobre o próximo ao altar, e se utilize no lugar a imagem de Jesus Ressuscitado. Ora, isso é contrário não só ao autêntico espírito da Liturgia Católica, mas também as próprias normas litúrgicas, como foi exposto acima.

Estes mencionados liturgistas, também, rechaçam que haja a figura de Jesus Crucificado na abside (=parede do fundo) das igrejas. Por exemplo, um conhecido artista sacro brasileiro, que já realizou coisas que admiro, afirmou em uma entrevista que representa Nosso Senhor vivo, porque quem preside a Missa é Jesus vivo e não morto. Respeitosamente, discordo da aplicação desta idéia aqui.

Explico: é Nosso Senhor Vivo e Ressuscitado que está presente na Santa Missa, claro, mas a Missa renova o Santo Sacrifício de Nosso Senhor, que se dá em Sua Presença Real e Substancial nas aparências do pão e do vinho (Catecismo, n. 1362-1372; 1374-1377), e por isso a tradição liturgica do ocidente, legimitamente católica, sempre valorizou a figura de Jesus Crucificado na abside das igrejas. Esse rechaço a imagem do Crucificado é reforçado ainda por uma mentalidade protestante que nos rodeia, que abomina Jesus Crucificado, dizendo: "Jesus não está na Cruz, mas Jesus está Vivo!"

Papa Bento XVI celebrando na forma Versus Deum, com a imagem de Cristo
Crucificado no centro altar, voltada para ele e para os fiéis. Observação: Há pinturas, mas nunca omite-se a Cruz no centro.

Ora, evidente que nós católicos cremos que Nosso Senhor Ressuscitou e está Vivo! Mas só Ressuscita quem morre.

Na Pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo, DEUS MORREU (Catecismo, n. 601) !

É uma verdade teológica chocante, mas isto é cristianismo: NÃO é um "meio-termo" entre duas idéias em tensão, mas o mergulhar profundamente nas duas para encontrar a Verdade da Maravilha do Amor de Deus, da Sua Infinita Misericórdia, do seu Poder Redentor e mesmo do caráter redentor do sofrimento humano e do Céu maravilhoso que nos espera!

Olhamos para a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo e não vemos a morte, mas a vida. Olhamos Crucificado para o Crucificado e não vemos algo repulsivo, mas o Amor, o Puro-Amor feito Carne, que se aniquilou até a última gota de Sangue para pagar pelos nossos pecados. 

NÃO nos opomos, claro, que hajam figuras de Jesus Ressuscitado nas absides. Conheço belas igrejas que são assim. E mais ainda, para mim há um efeito espiritual maravilhoso olhar a imagem de Jesus Crucificado, colocada sobre ou próxima ao altar, vendo conjuntamente, ao fundo, a figura de Jesus Ressucitado. Veja aí um retrato místico da teologia do Evangelho de São João: na Cruz, se esconde a Glória.

Por outro lado, também considero belíssimas as igrejas que se focam em retratar Jesus Crucificado na abside, nos levando visualmente a contemplar mais diretamente este elemento durante o Santo Sacrfício da Missa; como também considero belíssima as igrejas consagradas de forma especial a Santíssima Virgem e A retratam na abside, nos auxiliando, neste caso, a contemplar a Presença e a Participação da Virgem junto ao Sacrifício do Seu Divino Filho. São as legítimas diferenças católicas!

O problema aqui é quando se utiliza, a tradição oriental, com o objetivo de abolir arte ocidental, e utilizar isso para negar ou ofuscar a idéia do caráter sacrifical da Santa Missa, que é a Renovação do Santo Sacrifício de Nosso Senhor.

Retomamos o que disse o saudoso Papa João Paulo II, na sua maravilhosa encíclica Ecclesia de Eucharistia (n.10):

"As vezes transparece uma compreensão muito redutiva do mistério eucarístico. Despojado do seu valor sacrifical, é vivido como se em nada ultrapassasse o sentido e o valor de um encontro fraterno ao redor da mesma. (...) Como não manifestar profunda mágoa por tudo isto? A Eucaristia é um Dom demasiadamente grande para suportar ambigüidades e reduções."

Frizo novamente:

Arte Litúrgica Oriental sim; ABOLIR a Arte Litúrgica Ocidental, NÃO!

Uma última pergunta a ser respondida: qual é local adequado para se colocar o Cruficixo durante a Santa Missa?

A Instrução Geral da Missa Romano (n.308) fala em "sobre o altar ou junto dele".
Papa Bento XVI celebrando  na forma Versus Populum, com a imagem de Cristo Crucificado no centro do altar voltado para ele, sem se importar em "atrapalhar a visão dos fiéis"

Na celebração em "Versus Deum" ("Voltado para Deus", com sacerdote e fiéis voltados para a mesma direção), que é a forma tradicional de celebrar e a forma como o Papa recomendou no seu livro "Introdução ao Espírito da Liturgia", o costume é colocar o crucifixo no centro, acima do altar, em cima do Sacrário ou na parede, fazendo com que seja ponto de referência. Se a celebração for "Versus Populum" (com o sacerdote voltado para o povo), o Papa, no mesmo livro "Introdução ao Espírito da Liturgia", expõe dá a seguinte orientação a respeito da cruz:

"Ela deveria se encontrar-se no meio do altar, sendo o ponto de vista comum para o sacerdote e para a comunidade orante."

E completa, expondo o problema de se colocar a cruz na parte lateral do altar ou ao lado dele, ao invés de colocar no centro, nas Missas em Versus Populum:

"Considero as inovações mais absurdas das últimas décadas aquelas que põe de lado a cruz, a fim de libertar a vista dos fiéis para o sacerdote, Será que a cruz incomoda a Eucaristia? Será que o sacerdote é mais importante que o Senhor? Este erro deveria ser corrigido o mais depressa possível , não sendo precisoas para isso nenhumas reconstruções. O Senhor é o ponto de referência."

Este modelo de ornamentação de altar para as Missas celebradas em Versus Populum, com a cruz no centro e os castiçais dos lados dela, quem é a forma como o Papa normalmente celebra em Roma, se convencionou chamar de "arranjo beneditino". A cruz, evidentemente, é voltada para o sacerdote, que é quem celebra o Santo Sacrifício da Missa.

Um problema pastoral que ainda se cria é: nesse caso, com a cruz voltada para o sacerdote, o povo não terá a sua disposição um crucifixo para voltar o seu olhar durante a Missa? Penso que a solução para Missas em Versus Populum seja haver dois crucifixos: um no altar ou junto dele, voltado para o sacerdote, e outro voltado para os fiéis (seja ou lado do altar ou na abside, neste caso, na parede do fundo ou mesmo em cima do Sacrário, se este estiver no centro). A desvantagem é que neste caso haverá dois Crucifixos, o que é desnecessário perante as normas litúrgicas, e penso que enfraquece o simbolismo de Nosso Senhor ser um só. Mas são os prejuízos do Versus Populum. 

Que a Santíssima Virgem, a Grande Mãe do Deus Crucificado e Ressuscitado, que de uma forma tão especial participou do Santo Sacrifício de Seu Divino Filho, nos auxilie, por Sua Poderosa Intercessão, a reconhecê-lo no Santo Sacrifício da Missa, contemplá-lo, defendê-lo...e nos entregar no altar junto com Nosso Senhor.

"A linguagem da cruz é loucura para os que se perdem, mas, para os que foram salvos, para nós, é Força Divina . (...) Nós pregamos CRISTO CRUCIFICADO, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos; mas, para os eleitos - quer judeus, quer gregos -, Força de Deus e Sabedoria de Deus." (I Cor 1, 18-24)




Postado por: Francisco Dockhorn

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