domingo, 20 de fevereiro de 2011

Catequese - VII Domingo do Tempo Comum

VII Domingo do Tempo Comum (Mt 5, 38-48) 

EVANGELHO COMENTADO PELO PADRE CARLO BATTISTONI


Postado por Jorge Kontovski em 17 fevereiro 2011 às 22:24

VII Domingo do Tempo Comum
Mt 5,38-48
  

« Disse Jesus a seus discípulos: “Vós ouvistes o que foi dito: ‘Olho por olho e dente por dente! ’

Eu, porém, vos digo: Não enfrenteis quem é malvado! Pelo contrário, se alguém te dá um tapa na face direita, oferece-lhe também a esquerda! Se alguém quiser abrir um processo para tomar a tua túnica, dá-lhe também o manto! Se alguém te forçar a andar com ele mil passos, caminha dois mil com ele! Dá a quem te pedir e não vires as costas a quem te pede emprestado. Vós ouvistes o que foi dito: ‘Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo!’ Eu, porém, vos digo: Amai os vossos inimigos e rezai por aqueles que vos perseguem! Assim, vos tornareis filhos do vosso Pai que está nos céus, porque ele faz nascer o sol sobre maus e bons, e faz cair a chuva sobre justos e injustos. 

Porque, se amais somente aqueles que vos amam, que recompensa tereis? Os cobradores de impostos não fazem a mesma coisa? E se saudais somente os vossos irmãos, o que fazeis de extraordinário? Os pagãos não fazem a mesma coisa? Portanto, sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito!”» 

PALAVRA DA SALVAÇÃO: Glória a Vós Senhor!


          
Eis-nos diante de uma das mais desafiadoras páginas do Evangelho, é a continuação do trecho do domingo passado em que Jesus afirma, com toda a sua força, que a fé cristã não se diferencia das outras maneiras de cultuar a Deus apenas por ser fundamentada em princípios e culto diferentes. Aqui estamos diante de um modo de viver que, com extremo radicalismo, traz à tona o sentido último do estilo de vida de um cristão. Não estamos diante de palavras que apaziguam nossos desejos intimistas de algo espiritual que nos aliena de um mundo do qual queremos fugir porque nos decepciona sempre mais. A fé não é isto. Jesus não propõe nem um idealismo nem uma fuga, mas sim uma inserção tão profunda no viver humano que é capaz de chocar qualquer um e conduzi-lo a perguntar-se: “por que isso?”

O radicalismo cativa o homem porque lhe faz entrever que existem valores que estão acima do pensar comum, acima daquilo que é proposto de volta em volta como valor, pelos sistemas políticos e culturais nos quais vivemos e que mudam tão rapidamente. O radicalismo recorda ao homem o infinito eterno, estável, assim como estáveis são os valores primários da existência humana. Sempre tivemos exemplos na história de homens e mulheres que permaneceram firmes em seus valores até às últimas conseqüências, pessoas que assumiram um valor como centro da própria vida e não se venderam à mudança de opiniões. Por outro lado precisamos ter certo cuidado em não confundir o radicalismo com a intransigência, a rigidez, a intolerância, todos elementos, estes, que destroem as relações porque colocam o princípio acima da pessoa. O radicalismo como nos é proposto por Jesus, faz exatamente o contrário: aproxima as pessoas justamente porque não implica na renúncia ao princípio, mas leva em consideração a pessoa e as relações como valor último. 

Quando somos rígidos, não admitimos outras possibilidades a não ser aquelas que nós vemos e consideramos importantes; quando somos radicais não nos vendemos a qualquer preço, renunciando ao valor último por causa de contingências. Jesus nos apresenta, hoje, algumas situações em que o discípulo sabe colocar cada valor no seu lugar e escolher o que é certo, o que realmente agrada a Deus. Com certeza, para mim, pessoalmente, a leitura deste trecho é sempre um ótimo elemento de exame de consciência para que a minha fé não se transforme nunca em sentimentalismo, ritualismo, idealismo. Vamos juntos, dar um olhar à proposta de Jesus.

A impressão que primeira surge em nós ao ler este trecho é que o cristão parece ser, um homem subjugado, fraco, que não deve impor-se, que deve padecer as injustiças com a esperança de que um dia Deus o recompensará. Deste modo o discípulo é visto como uma pessoa fracassada, incapaz de reagir, de afirmar-se como homem (esta é a visão que algumas ideologias como, por exemplo, a Maçonaria e a Antroposofia têm da fé cristã). Mas o que de fato diz Jesus? A questão central é: o que o cristão oferece como novidade a um mundo que teima continuamente em usar meios que não funcionam? Qual é a alternativa real que a fé traz ao homem? Ela pode ser algo que modifica as relações humanas ou é apenas um artifício que permite a sobrevivência a quem não tem como reagir? Para responder à questão temos apenas um meio: verificar o que acontece quando respondemos a uma pessoa usando uma “arma” imprevisível. Ninguém espera, por exemplo, que uma pessoa que recebe uma “bofetada” apresente também a outra face, ou seja, que não revide usando a mesma moeda. Qual é o efeito que tal atitude gera? Aqui está o critério para distinguir o discípulo de um outro homem qualquer: ele não responde ao mal com o mal, porque esta terrível dinâmica, apenas aumenta o “mal”: mal + mal só dá mal em dobro. E o mal se instaura como uma força sorrateira dentro do mundo das relações dos homens. O mal pode ser destruído apenas como seu contrário: o bem, mesmo que isto custe, custe renunciar aos próprios direitos. Responder ao mal com o mal tem como resultado a divisão, a separação que é o “pecado” do qual fala sempre Paulo: “a inimizade”. 

Onde há inimizade é mais fácil encontrar o Inimigo do que encontrar a Deus. O cristão sabe que o bem, em última análise, vence e derrota o mal; o cristão sabe isso porque viu Jesus viver deste modo e morrer deste modo. Jesus dirimiu qualquer dúvida possível sobre as relações entre o bem e o mal, tanto com a sua vida quanto com a sua promessa a Pedro: «as portas dos ínferos não prevalecerão» (Mt 16,18). Ou seja: a porta indica o que dá acesso, o que faz entrar o homem no mundo dos “ínferos”, ou seja, da degradação definitiva da sua dignidade, ou, em última análise: “não faz ser o homem aquilo que ele é”. Por isso que Paulo exorta o cristão com estas palavras: «Não se deixe vencer pelo mal, mas vença o mal com o bem» (Rm 12,21).

Jesus toca várias circunstâncias nas quais entra em jogo um outro questionamento: então o cristão é uma pessoa que não reage? Claramente Jesus não nos pede de compactuar com o mal, ou tolerar o mal fingindo que não nos tocou porque estamos acima de tudo isto. Nada mais falso, todos somos profundamente atingidos e feridos pelo mal, sob qualquer forma este venha a nós; o próprio Jesus, quando ressuscitado, ressuscitou com as marcas, com as feridas do mal recebido. A questão é: o que fazemos com o mal que recebemos, usamos este para dividir ou para gerar união? Se repararmos bem, e considerarmos as possíveis reações de alguém que é surpreendido por uma reação inesperada, vemos que nunca há um aumento de distância entre os dois (quem deu a bofetada e quem a recebe, por exemplo; ou quem quer obrigar a andar mil passos e quem decide de fazer dois mil...). 

Pois bem, o integralismo e a rigidez têm como conseqüência o aumento da distância entre as pessoas, a atitude proposta por Jesus não somente não aumenta a distância (=pecado), mas lhe tira a força, destrói o seu ímpeto maligno; eu diria, é uma porta aberta à comunhão, mesmo à custa dos próprios direitos e de certo tipo de justiça. 

É um ato de amor que pode desestabilizar as certezas de alguém que espera ser considerado como inimigo e, invés, é tratado como “amigo”...! «Se a vossa justiça não superar a justiça dos escribas e fariseus... ». É fácil usar esta lógica? Com certeza não, não é humana. A lógica humana é a lógica expressa no primeiro e mais antigo código de Leis, o Código de Hamurabi (XVIII a.C): «olho por olho, dente por dente», retomada pela legislação Judaica (Ex 19,15-51; 21,24; Lv 24,20). A famosa “lei do talião” que visava fazer sentir ao outro aquilo que ele havia provocado, o mal que ele havia causado. Por um lado esta é uma lógica valida, certa... mas é apenas isso, não é capaz de gerar nada de novo, não converte, só reprime. 

O cristão tem uma função nova em tudo isto: ele é a porta aberta pela qual pode passar a mudança de vida de uma pessoa que cometeu o mal; uma porta aberta que agrada a Deus mais que sacrifícios e cultos (parafraseando as palavras de Isaías sobre a misericórdia). Parece sempre mais difícil, mas Jesus nos dá também o caminho que nos permite fazer esta escolha; ouvimos que Ele associa o perdão à oração «orai por aqueles que vos perseguem», sim, sem a oração o homem permanece apenas na esfera humana, é incapaz de contemplar e transformar em vida o princípio divino que está no discípulo. O perdão é o que nos faz mais semelhantes a Deus, é um convite de Jesus, não uma obrigação: «Sejais filhos do vosso Pai... Ele faz nascer o sol sobre maus e bons, e faz cair a chuva sobre justos e injustos».

Permito-me uns últimos esclarecimentos, apenas para entender melhor o que Jesus quis dizer com os exemplos que deu.

a) «Se alguém te dá um tapa na face direita, oferece-lhe também a esquerda»; numa briga não se consegue dar um tapa no lado direito do rosto de uma pessoa; logo Jesus não está se referindo ao simples ato de bater, refere-se antes, à ofensa. Um tapa dado com o dorso da mão não é um ato de raiva é bem mais, é um ato de desprezo. A este ato de desprezo, Jesus sugere que quem é ofendido não somente fique desprendido disso, mas mostre também os outros aspectos de si que não são tão bonitos e agradáveis e que existem dentro do coração.

b) A túnica era um bem próprio, um direito adquirido por herança ou por merecimento (Gen. 37,3); era símbolo de um “status” social. A quem quer tirar esta túnica, ou seja, o “a mais”, a liberdade do discípulo pode chegar a “dar” também o “manto” que, para os hebreus era um direito natural, que não podia ser tirado a ninguém (Ex 22,25; Dt 24,13).

c) «Se alguém te forçar a andar com ele mil passos, caminha dois mil com ele»; era um gesto próprio do autoritarismo, para mostrar a superioridade podiam acontecer casos como o Cirineu: obrigado a mudar de caminho, a mudar o próprio projeto e seguir aquilo que outro impunha; às vezes se fazia isto de propósito para mostrar poder até sobre coisas da vida privada.

d) «Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo!» De fato não se encontra esta prescrição na Escritura, a qual apenas diz: “não é obrigado a amar teus inimigos”; o ódio ao inimigo é uma interpretação mais rígida dada pelos rabinos já que, sendo Israel o povo de Deus, todo inimigo de Israel é inimigo de Deus, logo Israel deve combater os inimigos de Deus: nasce a guerra santa (que ainda hoje ceifa milhares de vítimas).

Mas é realmente possível amar alguém que nos fez o mal?

É um desafio, um desafio a percorrer a estrada do amor, sustentados pela força da oração, o exemplo e as promessas de Jesus: tudo isto é mais que humano, é próprio de um filho de Deus.

“O amor do inimigo constitui o núcleo da revolução cristã, uma revolução não baseada em estratégias de poder econômico, político ou mediático. A revolução é do amor, um amor que não se apóia sobre recursos humanos, mas é dom de Deus que se obtém confiando unicamente e sem ressalvas sobre a Sua bondade misericordiosa”; creio que estas palavras (tiradas de uma catequese de Bento XVI) mostrem como hoje a evangelização passa necessariamente por esta proposta alternativa encarnada já que o mundo está simplesmente saturado de propostas e dificilmente consegue escutar. 

O discípulo pode, sim, mostrar a força do amor que «As grandes águas não podem apagar, nem os rios afogar» (Ct. 8,7). Isto é evangelizar, é tocar o coração do homem com a força do amor de Deus. Gostaria de encerrar citando uma reflexão de Santo Tomás de Aquino: “O amor a um amigo pode ter várias motivações que não implicam em Deus, enquanto que Deus é o único motivo pelo qual se pode amar um inimigo” (S.Th. III,27,8).

Deus te abençoe,
Pe. Carlo

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