II Domingo de Páscoa - Jo 20,19-31 - Evangelho comentado pelo Pe Carlo Battistoni
II DOMINGO DE PÁSCOA
Jo 20,19-31
« Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas, por medo dos judeus, as portas do lugar onde os discípulos se encontravam, Jesus entrou e, pondo-se no meio deles, disse: "A paz esteja convosco". Depois dessas palavras, mostrou-lhes as mãos e o lado. Então os discípulos se alegraram por verem o Senhor. Novamente, Jesus disse: "A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, também eu vos envio". E, depois de ter dito isso, soprou sobre eles e disse: "Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem os não perdoardes, eles lhes serão retidos". Tomé, chamado Dídimo, que era um dos doze, não estava com eles quando Jesus veio. Os outros discípulos contaram-lhe depois: "Vimos o Senhor!" Mas Tomé disse-lhes: "Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei". Oito dias depois, encontravam-se os discípulos novamente reunidos em casa, e Tomé estava com eles. Estando fechadas as portas, Jesus entrou, pôs-se no meio deles e disse: "A paz esteja convosco". Depois disse a Tomé: "Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão e coloca-a no meu lado. E não sejas incrédulo, mas fiel". Tomé respondeu: "Meu Senhor e meu Deus!". Jesus lhe disse:"Acreditaste, porque me viste? Bem-aventurados os que creram sem terem visto!". Jesus realizou muitos outros sinais diante dos discípulos, que não estão escritos neste livro. Mas estes foram escritos para que acrediteis que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e, para que, crendo, tenhais a vida em seu nome ».
Lavs Tibi Christe!
Tinha sido um dia como nenhum outro. Pasmos pela sequência dos acontecimentos maiores do que as suas mentes poderiam alcançar, os discípulos tentavam reencontrar a si mesmos olhando um para o outro como se alguém dentre eles tivesse uma explicação plausível...
Quando os eventos nos ultrapassam, a tendência é sempre aquela de encontrar segurança naquilo que sempre tem sido o nosso mundo, o mundo que podemos controlar, o menor possível, para não nos perdermos mais ainda. Era assim que os discípulos buscavam de novo sua segurança recolhendo-se num lugar à parte. Uma mistura de sentimentos permeava seus corações; o medo dos judeus era sem dúvida o que tinha primazia, mas também aquele sentimento que na nossa tradição chamamos “temor de Deus”; que é a belíssima virtude, fruto do Espírito Santo, que se manifesta quando sabemos de estar diante de uma ação misteriosa e tocante de Deus.
Até a frenética corrida ao sepulcro havia deixado mais perguntas que respostas. Nada mais seria igual, em poucas horas toda uma vida estava adquirindo um sentido deferente para todos eles; o que podia ser um sonho, sonho não era mais. Uma inquietante pergunta pairava sobre todos: “ ... e agora ?”.
Mas antes de responder a isto, já que tudo estava mudado, antes de saber “o que fazer” era preciso saber “quem” eles eram. De fato, é somente quando sabemos “quem somos” que “o que fazemos” nos dá alegria e satisfação, pois nossos atos são a manifestação do nosso “eu” mais autêntico. Ora, apenas quando há consequência e coerência entre o que somos e o que fazemos é que estamos em harmonia e, esta, se torna testemunho Daquele Deus que fez o homem à sua imagem.
Hoje estamos diante da primeira de várias manifestações de Jesus após a Ressurreição; tais aparições perpassam a dimensão comprobatória, ou seja, não são apenas sinais demonstrativos. Jesus não queria nem precisaria demonstrar nada para ninguém. Se assim fosse, então Jesus teria que ter aparecido primeiro a seus antagonistas, mas não foi assim.
A finalidade é completamente outra. As aparições têm essencialmente uma função educativa; em cada uma delas Jesus ajuda sua comunidade, a sua Igreja aos alvores de uma nova maneira de existir, a descobrir a própria identidade e a missão nos vários aspectos e circunstâncias em que a Igreja se encontraria a operar no decorrer da história da humanidade. A comunidade de Jesus precisava aprender a viver com a nova maneira de Jesus estar presente com ela.
Essa comunidade, frágil, pequena, insegura de si mesma será para sempre o lugar que Jesus escolheu para estar com os homens de todos os tempos. É por isso que o Concílio Vaticano II chama a Igreja de “sacramento”; sacramento fonte de todos os gestos salvíficos de Jesus que celebramos na nossa história: eucaristia, penitência, batismo etc.
Esta comunidade é o lugar de encontro com Jesus. Jesus ressuscitou, por isso não permaneceu vinculado ao espaço e ao tempo e, bem por isso o Senhor pôde levar a cumprimento a Sua promessa de permanecer junto aos “seus”. A leitura de hoje evidencia justamente essa nova condição de presença-ausência de Jesus com a sua comunidade que é a Igreja reunida, reunida em torno a Pedro, a Maria.
Sim, Jesus se colocou além das condições físicas que nós conhecemos, está presente numa outra dimensão sim, mas é ele mesmo! Esta é a ideia de fundo que permeia todas as aparições: «Sou eu mesmo!» dirá Jesus aos discípulos.
Que realidade fantástica saber que somos depositários de um tesouro tão grande, saber que nesta, nesta mesma Igreja em que vivemos, cheia de contradições e fragilidades, Jesus decidiu permanecer! No mesmo lugar de onde alguns preferem se afastar... Quão grande honra saber que Ele, o Senhor, confia tanto em nós, a ponto de que São Paulo, inúmeras vezes recordará aos cristãos: «vocês são o templo de Cristo!». Jesus vive e age em nós, comunidade unida em seu nome.
A leitura do Evangelho de hoje é extremamente rica de vários elementos sobre os quais não temos agora condições de determo-nos. No entanto gostaria de pousar a atenção sobre um deles, que nos ajuda a compreender toda esta ação educativa de Jesus para com a sua comunidade.
O episódio narrado se dá «no lugar onde eles estavam»; eles, os discípulos. O fato de não ser especificado que se trate dos “doze” (como comumente João chama os Apóstolos) indica que tudo quanto acontece é para toda a comunidade, a inteira comunidade dos que seguem Jesus, os discípulos, isto é aqueles que estão dispostos a aprender, ou seja um grupo mais amplo que os Apóstolos e que inclui os Apóstolos.
É para estes que Jesus «entrou estando as portas fechadas»; não para outros, “de fora”! É um ato restrito, íntimo, específico para a sua comunidade!
Ao presenciar o fato de entrar «estando as portas fechadas» podemos imaginar a obvia reação dos presentes: imaginaram de ter tido uma visão, um “fantasma” como o chamavam antigamente, ou, como hoje diríamos mais “sabiamente” uma “materialização”, um “ectoplasma”... (enfim, a fantasia pode criar inúmeros vocábulos). Como resposta a uma tal suposição Jesus fará questão – aqui e nas outras aparições - de mostrar que é Ele mesmo em carne e osso, não um espírito vago e indefinido.
Por que? Em primeiro lugar para dizer aos seus que o evento da Ressurreição não se limita ao fato de Ele ter vencido a morte. É algo maior, ou seja, o mesmo Espírito que modificou seu corpo em um corpo capaz de ultrapassar os limites da física que hoje conhecemos (e que não é definitiva) a ponto de Jesus entrar «estando as portas fechadas», este mesmo Espírito envolveu a inteira criação e todos os homens, passados presentes e futuros.
A partir da Páscoa a natureza inteira e com ela o homem, foram libertados de seus limites estruturais. Com a Páscoa o homem se tornou realmente uma criatura nova, como neste período litúrgico nos recordam as várias orações e prefácios da Missa.
Se hoje podemos realmente comungar o Corpo de Cristo, isto se dá porque tanto Ele, quanto nós fomos colocados por este evento numa dimensão que ultrapassa a condição natural. Jesus ressuscitado e o homem inserido com o Batismo em Cristo possuem um denominador comum.
Esta nova situação permite realmente que o homem possa fazer comunhão com o Senhor Deus, de se encontrar de fato (e não sentimentalmente ou emocionalmente) com Ele. O que estamos comungando é realmente o mesmo Jesus que apareceu aos discípulos, pois tempo e espaço, daquele dia em diante, não constituem mais um limite que nos impeça de “tocar” Jesus como o tocou Tomé.
Fazer comunhão não é um fato “figurativo que relembra o dia da última ceia....” como dizem alguns: é a realidade do encontro com Jesus ressuscitado, através daquele mesmo corpo que viram os discípulos; por um lado, ligado à matéria que conhecemos, por outro, ligado à “matéria” que supera nossa natureza. É “pão” mas não é só “pão”.
Naquela noite, Jesus quis deixar clara também a missão da comunidade cristã: essa será para a humanidade dos séculos vindouros, aquilo que Jesus de Nazaré foi para seus contemporâneos. « Como o Pai me enviou, eu envio vocês ». Desse modo, Jesus estabelecia uma direta relação entre Ele e a comunidade de fé e, com esta relação, também a sua missão ou seja: a comunidade de fé deveria ser para os homens e para Deus aquilo que Ele foi para os homens e para o Pai.
Eis então o núcleo da missão da Igreja: viver com a maior coerência possível o grande mistério que ela carrega, isto é, o de ser lugar da presença de Cristo e, contemporaneamente, lugar de encontro, assim como Jesus o foi. Nele toda a divindade estava presente e Nele todo homem podia encontrar-se com Deus. Ora, o que o homem precisa para a sua realização, a única realidade que pode satisfazer o anseio de infinito que queima em seu coração, é o encontro com Deus, encontro verdadeiro, autêntico e singelo.
Nesse sentido se compreendem em toda a sua riqueza as palavras com as quais Jesus entrega à comunidade o ministério do encontro: «A quem perdoardes os pecados serão perdoados, a quem não os perdoarem, não serão perdoados».
Longe de restringir-se a uma pura jurisdição, as palavras de Jesus contêm um mais profundo mistério. A expressão “pecado”, significa: “erro de alvo” (segundo uma linguagem militar retomada no cristianismo primitivo); o pecado é, então, a distância entre o objetivo da minha vida, o seu sentido último e aquilo que de fato faço ou na condição em que estou.
Longe de restringir-se a uma pura jurisdição, as palavras de Jesus contêm um mais profundo mistério. A expressão “pecado”, significa: “erro de alvo” (segundo uma linguagem militar retomada no cristianismo primitivo); o pecado é, então, a distância entre o objetivo da minha vida, o seu sentido último e aquilo que de fato faço ou na condição em que estou.
Sendo assim, as palavras de Jesus podem ser lidas como um pedido nestes termos: já que o mundo está distante de Deus, está no “pecado” pois seus interesses são outros, aonde estes homens poderão diminuir ou até mesmo eliminar a distância (seu pecado) com o meu Pai se não isto não for através de vocês ?
Se vocês não o fizerem, quem o fará? Se vocês não “perdoarem”, ou seja, se não forem vocês os que desejam “extinguir a distância”, quem o fará? Esta permanecerá....
Se vocês não o fizerem, quem o fará? Se vocês não “perdoarem”, ou seja, se não forem vocês os que desejam “extinguir a distância”, quem o fará? Esta permanecerá....
A comunidade dos discípulos é para Jesus o instrumento para que o pecado do mundo seja eliminado e assim todos possam se encontrar e comungar com Jesus. A Igreja é, para Jesus o lugar e instrumento onde poderá ainda oferecer aos homens o movimento mais profundo de um coração (ou, “das entranhas” para usar a linguagem bíblica) que é chamado “misericórdia”, qual não é um simples gesto de compactuação com o erro, nem passar por cima desse.
O mistério do reencontro, da reconciliação é entregue a toda a comunidade dos discípulos. É na vida deles, em suas relações sinceras, abertas e fraternas que aqueles que estão distantes podem se encontrar com o rosto autêntico de Deus. A reconciliação, o reencontro, se realizam então, não como um ato mágico, mas como patrimônio de uma inteira comunidade que gera as condições favoráveis através das quais Jesus salva, chega perto, acolhe, mostra o Pai.
Nesta comunidade de fé, que traz um profundo mistério, cada um tem seu lugar, os discípulos e os Apóstolos; isto é o conjunto dos fiéis e as pessoas prepostas a dar continuidade à comunidade que Jesus criou: os Apóstolos e, evidentemente, seus legítimos descendentes. Assim, o encontro assume um caráter de “sacramento”, isto é um gesto de Jesus que continua operando através da comunidade que Ele quis, um gesto realizado em conjunto entre a pessoa que busca um encontro, a comunidade que oferece as condições necessárias para tanto e os sacerdotes enquanto descendentes - em segundo grau - dos próprios Apóstolos de Jesus.
É ir além do erro e recordar-se que a pessoa vale bem mais do que o erro que porventura possa ter cometido; é um deixar-se levar pelo amor que conduz ao encontro mais do que pelo julgamento que pode criar distâncias. É a reconciliação!
O mistério do reencontro, da reconciliação é entregue a toda a comunidade dos discípulos. É na vida deles, em suas relações sinceras, abertas e fraternas que aqueles que estão distantes podem se encontrar com o rosto autêntico de Deus. A reconciliação, o reencontro, se realizam então, não como um ato mágico, mas como patrimônio de uma inteira comunidade que gera as condições favoráveis através das quais Jesus salva, chega perto, acolhe, mostra o Pai.
Nesta comunidade de fé, que traz um profundo mistério, cada um tem seu lugar, os discípulos e os Apóstolos; isto é o conjunto dos fiéis e as pessoas prepostas a dar continuidade à comunidade que Jesus criou: os Apóstolos e, evidentemente, seus legítimos descendentes. Assim, o encontro assume um caráter de “sacramento”, isto é um gesto de Jesus que continua operando através da comunidade que Ele quis, um gesto realizado em conjunto entre a pessoa que busca um encontro, a comunidade que oferece as condições necessárias para tanto e os sacerdotes enquanto descendentes - em segundo grau - dos próprios Apóstolos de Jesus.
Ao sentir-nos envolvidos por tão grandes realidades, não pode não surgir um sentimento de profunda comoção ao considerar quanto Jesus confia em cada um de nos; quanto Ele confia na força de conversão que a comunidade carrega em si, uma comunidade cheia de limites, diferenças, mas que age em sintonia para dizer a todos quem é como é possível se encontrar com Deus.
Com a alegria do Senhor Ressuscitado!
Pe. Carlo
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