sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

SÉRIE - MITOS LITÚRGICOS COMENTADOS - Mito 25: Celebrar do "seu jeito"?

Mito 25: "Cada comunidade deve ter a Missa do seu jeito"

Não deve e não pode ter a Missa do seu jeito, e sim do jeito católico.


O Concílio Vaticano II já dizia (Sacrossanctum Concilium, 22): 

Ninguém mais, absolutamente, mesmo que seja sacerdote, ouse, por sua iniciativa, acrescentar, suprimir ou mudar seja o que for em matéria litúrgica."

Escreveu o saudoso Papa João Paulo II (Ecclesia de Eucharistia, n. 52):

"Atualmente também deveria ser redescoberta e valorizada a obediência às normas litúrgicas como reflexo e testemunho da Igreja, una e universal, que se torna presente em cada celebração da Eucaristia. O sacerdote, que celebra fielmente a Missa segundo as normas litúrgicas, e a comunidade, que às mesmas adere, demonstram de modo silencioso mas expressivo o seu amor à Igreja. (...) A ninguém é permitido aviltar este mistério que está confiado às nossas mãos: é demasiado grande para que alguém possa permitir-se de tratá-lo a seu livre arbítrio, não respeitando o seu caráter sagrado nem a sua dimensão universal."

Também a Instrução Inaestimabile Donum, de 1980, afirma:

"Aquele que oferece culto a Deus em nome da Igreja, de um modo contrário ao qual foi estabelecido pela própria Igreja com a autoridade dada por Deus e o qual é também a tradição da Igreja, é culpado de falsificação."

O Cardeal Ratzinger, hoje Papa Bento XVI, afirmou:

"É preciso que volte a ser claro que a ciência da liturgia não existe para produzir constantemente novos modelos, como é próprio da indústria automobilística. (...) A Liturgia é algo diferente da invenção de textos e ritos, porque vive, precisamente, do que não é manipulável." ("O Sal da Terra")


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Comentário sobre este Mito (07/11):

Costumo dizer que não podemos reduzir nossa vivência litúrgica a um "pode-não-pode". Pois embora esta vivência implique, necessariamente, na obediência as normas litúrgicas, ela é MUITO MAIS do que as normas: ela deve partir de um coração desconcertado com o Sagrados Mistérios Eucarísticos, e não se contentar apenas em obedecer as normas, mas procurar, dentro as opções possíveis (de Rito, forma de celebrar, língua litúrgica, músicas, esplendor...) escolher a que é melhor em cada contexto específico, levando-se em conta também o aspecto pastoral, que é bem das almas.

Mas se a vivência litúrgica NÃO é apenas obedecer as normas litúrgicas, ela precisa ser TAMBÉM obedecer as normas litúrgicas.

Como a crise de fé e moral que estamos vivendo está tão propagada, ela atinge também a Sagrada Liturgia.

A sua essência (verdade quanto a natureza e a sacramentalidade da Santa Igreja, Santa Missa como Renovação do Santo Sacrifício do Calvário, Presença Real de Nosso Senhor na Hóstia Consagrada, e assim por diante...) não é conhecida e amada. 

Pois Nosso Senhor Jesus Cristo está presente verdadeiramente no Santíssimo Sacramento do Altar, em Corpo, Sangue, Alma e Divindade, nas aparências do pão e do vinho, como afirma o Catecismo da Igreja Católica (Cat.), nos números 1374-1377. Ele se faz presente durante a Santa Missa, que é a renovação do Seu Único e Eterno Sacrifício, consumado de uma vez por todas na cruz e tornado presente no altar, pelas mãos do sacerdote (Cat. 1362-1372; 1411).

E por isso também as normas litúrgicas não são obedecidas e por vezes nem são conhecidas, e muitas vezes nem a própria essencia da Santa Igreja instituído é conhecida e amada, não se percebe a necessidade de obedecer as normas litúrgicas da Santa Igreja.

Não existe distinção entre obedecer diretamente a Deus e obedecer a lei da Santa Igreja. Nosso Senhor confiou a São Pedro, o primeiro Papa (Mateus 16,18-19), o poder de ligar e desligar. O Catecismo da Igreja Católica explica que "o poder de ligar e desligar" significa a autoridade de absolver os pecados, pronunciar juízos doutrinais e tomar decisões disciplinares na Igreja." (n. 553) Por isso, recusa de sujeição à lei da Santa Igreja é pecado contra o 1º mandamento (Cat., n. 2088-2089)

Obedecer à lei da Santa Igreja é obedecer à Deus; obedecer à Deus é obedecer também a lei da Santa Igreja.

O Cardeal Ratzinger, hoje Papa Bento XVI, no seu maravilhoso livro "Introdução ao Espírito da Liturgia", tem um capítulo dedicado especialmente a esta questão do Rito (é o capítulo 1 da parte 4), onde ele faz fantásticas reflexões. Veremos, aqui, alguma delas.

O Papa começa falando que o próprio termo "Rito" é, atualmente, olhado com pré-conceito.

Diz o Papa:

"Hoje, a palavra Rito não soa agradável. Rito surge como uma expressão de obstinação, comprometimento com formas pré-definidas; contrapõe a criatividade e a dinâmica das inculturação, geradora da Liturgia viva, em que a respectiva comunidade se expressa."

O Papa faz questão de definir, perante o Mistério da Igreja, o que é o Rito (que em seus aspectos mais práticos, é o conjunto de orações e ações da celebração). Diz o Papa:

"O que é o Rito no âmbito da Liturgia Cristã? (...) Ele é a expressão incorporada da eclesialidade e da trancedência histórica da oração e dos atos litúrgicos. Nele, concretiza-se a ligação da Liturgia ao sujeito vivo que é a Igreja, a qual, por sua vez, é marcada pela sua ligação à forma da fé que se desenvolveu na tradição apostólica."

E o Papa faz questão de mostrar que o Rito PRECEDE nós; ou seja, a Liturgia NÃO é algo que INVENTAMOS, mas algo que RECEBEMOS de Deus e que a Santa Igreja CONSERVA. Diz o Papa:

"Só o respeito pela precedência e pela definição essencial da Liturgia pode proporcionar-nos aquilo que esperamos dela: a celebração da magnitude que se aproxima de nós, que não é arquitetada por nós e que se nos oferece. Isto significa que a criatividade nunca pode ser uma categoria autêntica do litúrgico."

Ou seja: a Liturgia NÃO e algo que INVENTAMOS, e exatamente aí está a grandeza dela.

NÃO é algo nosso: É ALGO DE DEUS! É algo DIVINO! É algo que RECEBEMOS DELE!

Por isso, a sua essência precisa ser conservada, e Nosso Senhor concedeu a autoridade da Santa Igreja o poder de legislar para que isso aconteça.

Esta é uma diferença entre a Santa Missa e os grupos de oração, os encontros de evangelização e outros momentos fora da Sagrada Liturgia, onde pode-se usar de uma espontaneidade que não tem lugar dentro da Missa.

Nesse sentido, precisamos voltar a ver o Rito como algo positivo.

O Papa também expõe a problemática atual, quando fala da crise posterior ao Concílio Vaticano II:

"...em vastas zonas do Ocidente, a idéia da predefinição da Liturgia, a qual não permite agir simplesmente "à vontade", desaparecera totalmente da consciência pública."

No desenvolvimento dos Ritos da Santa Missa, temos as legítimas diferenças, segundo os próprios documentos litúrgicos, todas elas amparadas na tradição litúrgica católica.

Nós temos, por exemplo, os diversos Ritos Orientais; e aqui no Ocidente, o Rito Romano sendo celebrado tanto na sua forma ordinário (aprovada pelo Papa Paulo VI após a Reforma Litúrgica posterior ao Concílio Vaticano II) e a forma extraordinária (Tridentina), que era normalmente celebrada até a Reforma Litúrgica posterior ao Concílio Vaticano II, e que desde o Mutu Próprio Summorum Pontificum publicado pelo Papa Bento XVI em 2007, pode ser universalmente celebrada (antes, estava restrita a autorização dos Bispos).

Nestas postagens "Mitos Litúrgicos Comentados", como dissemos no início, o que falamos se aplica à forma do Rito Romano aprovada pelo Papa Paulo VI (que é atualmente a forma ordinária), com exceção dos mitos 30 e 31, que falam expressamente sobre a Missa Tridentina, que é a forma tradicional e (atualmente) extraordinária do Rito Romano.

Nesse sentido, damos abaixo o exemplo de muitos abusos litúrgicos que hoje, por desobediência ou desconhecimento das normas, acontecem nas igrejas; trazemos esta com as devidas referências sobre o assunto, da Instrução Geral do Missal Romano - IGMR -, da Instrução Redemptionis Sacramentum (RS) ou de outros documentos litúrgicos:

- Sacerdotes celebrarem sem os paramentos adequados (IGMR, n. 119; RS, n. 124-126)

- Missas sem número de castiçais adequado, que são no mínimo dois (IGMR, n.117)

- Crucifixo com imagem de Jesus Ressuscitado ao invés de Jesus Crucificado, ou até sem crucifixo (IGMR, .n. 308)

- Alteração das fórmulas prescritas, quando se canta o Sinal da Cruz, Ato Penitencial, Hino do Glória, Creio, Sanctus e/ou Pai-Nosso (IGMR, n.51-53;67; 81)

- Leigo proclamando o Santo Evangelho ou fazendo homilia (RS, n. 63-66)

- Uso de vasos sagrados de material não autorizado (RS. n. 117; Ecclesia de Eucharistia, n. 47-48)

- Alteração do texto das Orações Eucarísticas devidamente aprovadas, ou uso de Orações Eucarísticas não-aprovadas (RS, n.51)

- Leigos rezando junto orações que no Rito são estritamente sacerdotais, como o Sinal da Cruz (os féis só respondem o "Amem"), a doxologia ("Por Cristo, com Cristo e em Cristo...") e a Oração da Paz (Cânon 907, RS n. 52, Inaestimabile Donun n.4)

- fiéis que, podendo ajoelhar, ficam em pé na consagração (IGMR, n. 43)

- proibição de comungar na boca e de joelhos (RS, n. 91; Notificação da Sagrada Congregação para o Culto Divino, de Abril de 1985; Sagrada Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos, Protocolo no 1322/02/L)

- Comunhão sob duas espécies ministrada de forma proibida, com o próprio comungante fazendo a intinção ("molhando") a aparência do pão na aparência do vinho; no caso da comunhão sob duas espécies por intinção, todos os comungantes precisam receber diretamente na boca (RS, n.100-104, IGMR n. 284-287)

- Uso irregular de Ministros Extrardinários da Comunhão Eucarística sem real necessidade (RS, n. 151-157)

- Outros alterações e acréscimos de partes na Santa Missa que NÃO estão previstas no Rito (Sacrossanctum Concilium, n. 22)

Quanto a questão das chamadas “adaptações litúrgicas”, é preciso esclarecer que há os aspectos que Roma expressamente permite que os Bispos legislem, por exemplo:

- alguma flexibilidade no material usado nos vasos sagrados (IGMR n.329)

- a possibilidade de usar instrumentos musicais diversos (Sacrossanctum Concilium, n. 120)

- a possibilidade de se permitir a comunhão na mão (IGMR n. 160, 283)

E assim por diante.

Já as demais adaptações, que não estão expressamente permitidas, precisam de aprovação expressa de Roma para acontecerem.

Diz a “Instrução Geral do Missal Romano (n. 395):

“Se a participação dos fiéis e o seu bem espiritual exigirem variações e adaptações mais profundas, para que a sagrada celebração responda à índole e às tradições dos diversos povos, as Conferências dos Bispos podem propô-las à Sé Apostólica, segundo o art. 40 da Constituição sobre a sagradas Liturgia, para introduzi-las com o seu consentimento, sobretudo em favor de povos a quem o Evangelho foi anunciado mais recentemente."

O artigo 40 da Sacrossanctum Concilium a Constituição sobre a Sagrada Liturgia do Concílio Vaticano II, fala das adaptações mais profundas na Liturgia.

Por fim, uma reflexão: 

Muitas vezes, somos acusados de "rubricismo". Mas a obediência a Santa Igreja NÃO é rubricismo, e sim, uma virtude.

“Rubricismo” se dá quando NÃO se consida o sentido da lei, NÃO se considera a possibilidade ir "além dela" (ao invés de se celebrar não somente obedecendo as normas, mas dentre as opções possíveis, procurando as melhores em termos de Rito, língua litúrgica, músicas, esplendor, etc), ou NÃO se considera tolerar algum abuso litúrgico que ***NÃO seja tão grave assim*** em vista de um bem maior (penso que talvez seja o exemplo de um “rubricismo” um fiel que deixa de participar de uma Missa em sua paróquia porque o celebrante pede para que se reze junto a Oração da Paz, o que é um abuso, mas não me parece algo tão grave assim).

Exatamente por nos opormos a este “rubricismo”, que quando escrevi o artigo Mitos Litúrgicos deixei para falar mais profundamente das normas litúrgicas no final, nós últimos Mitos listados (do 25 em diante, dos 33), para primeiramente, responder aos Mitos que estão mais diretamente ligados a essência da Liturgia.

Encerramos esta postagem recomendando que as equipes de Liturgia, de todas as paróquias e comunidades, se debrucem para estudar estes dois documentos básicos para conhecer as normas litúrgicas para a celebração do Santo Sacrifício da Missa:

- A Instrução Geral do Missal Romano (pode ser facilmente encontrada na internet; a última edição, que está sendo usada, que é a 3ª, de 2002, ainda não tem tradução oficial para o Brasil, mas na internet há as traduções não oficiais)

- A Constituição Redemptionis Sacramentum, que o saudoso Papa João Paulo II mandou publicar em 2004 como um remédio para tentar corrigir os abusos litúrgicos mais graves que tem acontecido.

Nas aparições da Santíssima Virgem em Fátima (Portugal, 1917), oficialmente aprovadas pela Santa Igreja, quando o Anjo apareceu para as crianças, antes da Virgem aparecer, ele trazia consigo uma Hóstia Consagrada. Prostrando-se por terra, ensinou a elas a seguinte oração:

"Meu Deus: eu creio, adoro, espero-vos e amo-vos. Peço-vos perdão por aqueles que não crêem, não adoram, não esperam e não vos amam." 


Que a Grande Mãe de Deus, Mãe da Eucaristia, pela Sua Poderosa Intercessão, nos conceda a graça de crer, adorar, amar e zelar pelo Santíssimo Corpo do Deus-Amor Sacramentado, pelo Santo Sacrifício da Missa e pela Sagrada Liturgia da Igreja...


Postado por Francisco Dockhorn

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