XXXIII Domingo do Tempo Comum - Mt 25,14-30 -
Evangelho comentado pelo Pe Carlo Battistoni
Postado por Jorge Kontovski em 10 novembro 2011 às 19:55
XXXIII Domingo
(Mt 25,14-30)
« Acontecerá como o caso de um homem que, ausentando-se do país, chamou os seus servos e lhes confiou os seus bens. A um deu cinco talentos, a outro, dois e a outro, um, a cada um segundo a sua própria capacidade; e, então, partiu. O que recebera cinco talentos saiu imediatamente a negociar com eles e ganhou outros cinco. Do mesmo modo, o que recebera dois ganhou outros dois. Mas o que recebera um, saindo, abriu uma cova e escondeu o dinheiro do seu senhor. Depois de muito tempo, voltou o senhor daqueles servos e ajustou contas com eles. Então, aproximando-se o que recebera cinco talentos, entregou outros cinco, dizendo: Senhor, me confiaste cinco talentos; eis aqui outros cinco talentos que ganhei. Disse-lhe o senhor: Muito bem, servo bom e fiel; foste fiel no pouco, sobre o muito te colocarei; entra no gozo do teu senhor. E, aproximando-se também o que recebera dois talentos, disse: Senhor, dois talentos me confiaste; aqui tens outros dois que ganhei. Disse-lhe o senhor: Muito bem, servo bom e fiel; foste fiel no pouco, sobre o muito te colocarei; entra na alegria do teu senhor. Chegando, por fim, o que recebera um talento, disse: Senhor, sabendo que és homem severo, que ceifas onde não semeaste e ajuntas onde não espalhaste, receoso, escondi na terra o teu talento; aqui tens o que é teu. Respondeu-lhe, porém, o senhor: Servo mau e negligente, sabias que ceifo onde não semeei e ajunto onde não espalhei? Cumpria, portanto, que entregasses o meu dinheiro aos banqueiros, e eu, ao voltar, receberia com juros o que é meu. Tirai-lhe, pois, o talento e dai-o ao que tem dez. Porque a todo o que tem se lhe dará, e terá em abundância; mas ao que não tem, até o que tem lhe será tirado. E, quanto ao servo inútil, lançai-o para fora, nas trevas. Ali haverá choro e ranger de dentes ».
PALAVRA DA SALVAÇÃO - Glória a Vós Senhor!
A leitura desta parábola continua na linha da liturgia destas últimas semanas que nos ajuda a refletir sobre o significado da nossa vida apontando para nós a chave de leitura de tudo o que nos acontece. Como a leitura do trecho anterior do Evangelho, que falava das 10 jovens, também o Evangelho de hoje é carregado de significado simbólico, Jesus utiliza o mesmo número, dez, para indicar os bens que Deus entrega aos seus servos.
Obviamente Jesus usa uma linguagem perfeitamente compreensível a todo hebreu; de fato, além do significado de totalidade, segundo os judeus o numero dez indicava a “irradiação da plenitude de Deus”. É uma expressão um pouco complexa, mas muito densa de significado.
O que quer dizer isso? Tentemos entender o que um Judeu tinha no coração quando associava o numero dez a fatos tão significativos de sua história. “Dez” são as Palavras de Jahvé que Moisés entregou a Israel no monte Sinai; elas tiveram o poder de fazer de Israel um povo, de transformar um aglomerado de clãs numa “nação” ; as dez “Leis” indicariam a Israel o caminho para encontrar a felicidade como recorda o livro do Deuteronômio: «Observa estas leis que hoje eu te dou a fim de que sejas feliz tu e teus filhos depois de ti» (Dt 4,40).
Mas não é só isso; guardar no coração, amar as palavras de Jahvé, tentar transformá-las em vida, significaria para Israel (e para nós, hoje) manter a comunhão com Jahvé. Esta comunhão, aos poucos, transformaria Israel (e também nós) em “povo consagrado”, propriedade particular de Deus e “testemunho visível” daquilo que Deus consegue fazer quando encontra disponibilidade. Ora, quando se vive em comunhão com uma pessoa, progressivamente acontece uma assimilação recíproca, um processo pelo qual as características de uma são enriquecidas pelas características da outra. Pois bem, isto é o que significa “irradiação da plenitude de Deus”: é participar, de alguma forma, das riquezas que Deus possui e que “irradia” naquele que está em comunhão com Ele.
Dez são também as “pragas do Egito”, sinônimo das “coisas grandiosas e inesperadas que Deus realiza” quando decide agir em favor da dignidade e da liberdade do homem que a Ele se entrega e Nele confia.
Assim, quando Jesus usa o número dez, tanto na parábola das jovens quanto na dos talentos, o faz nesse sentido: os talentos são instrumentos que permitem, se bem usados, a participar da “irradiação da plenitude de Deus” e são o objeto visível das “coisas grandiosas que Deus faz” quando confiamos Nele. Estes dois elementos se associam nas palavras de Jesus.
Os protagonistas da parábola são «servos», isso significa que o ensinamento de Jesus não é genérico, mas se dirige claramente aos discípulos, a cada fiel que se coloca à disposição de Deus, assim como Maria fez. Habitualmente à idéia de “servo” se aplica um sentimento de diminuição, de dependência, quase o contrário daquilo que é o mito e a ambição hodierna: a independência vista como fonte da auto-realização.
Contrariamente a esta acepção a parábola nos diz que os que estão a serviço de Deus são envolvidos e enriquecidos pelas riquezas de Deus; cada um recebe tantos talentos quantos o senhor julga oportuno. Logo, o senhor leva em consideração cada um por aquilo que é, não exige nem entrega nada que seja superior a o que cada um pode e sabe fazer. Trata-se de uma belíssima imagem que nos revela quanto Deus olhe cada um de nós com olhar próprio, específico, porque cada um é único diante Dele. Embora Ele entregue riquezas grandes a cada um, todavia faz isso apenas porque confia no seu servo. O nosso é um Deus que confia em nós! Como mudaria a nossa relação com Ele se realmente tivéssemos a capacidade de nos encantar com a confiança que Deus deposita no seu discípulo!
Cinco, dói, um talento, são riquezas enormes para qualquer “servo”, que ganhava menos de uma diária. Considere-se que um talento correspondia a seis mil “drammas”, cada dramma correspondia à diária de um empregado; para darmo-nos conta do valor de um talento o 2º livro dos Macabeus nos dá indicações de que com um talento se compravam noventa servos (8,11).
Um servo recebeu apenas um talento (e isso segundo uma certa mentalidade poderia ser julgado uma injustiça), de fato porém a parábola nos diz que aquilo que julgamos “pouco” é um enorme valor e pode tornar-se fonte de uma riqueza desmedida! É a estrada que Jesus escolheu para si e para aqueles que O amam. Não há nada que enobreça o homem tanto quanto a liberdade de se por ao serviço com aquilo que possui! ...
Mas esse que recebeu um talento não quis colocar-se responsavelmente ao serviço; preferiu não envolver a sua liberdade, o risco, a sua capacidade criativa. Eis mais um pequeno ensinamento do caminho do Espírito: quando nos defrontamos com riquezas que Deus nos dá gratuitamente, a nossa liberdade é colocada à prova na forma mais profunda, e também o nosso envolvimento com aquilo que Deus nos dá nos revela “quem somos de verdade” e quanto o interesse de Deus é de fato o “nosso” interesse. A riqueza nos revela aquilo que somos e também o que cremos.
O que acontece no coração de um “servo” que nunca viu tal quantia de dinheiro, de repente receber nas mãos tais riquezas como sinal da confiança plena do seu patrão? Este é o questionamento que nos sugere a parábola nas entrelinhas. Analogamente, a palavra de Jesus, a vida com Jesus, é para os discípulos uma fonte inesgotável de riquezas imensas que o Pai deseja entregar aos fiéis.
A parábola quer prosseguir além deste ensinamento. Para o senhor da casa não é suficiente que o servo não se sinta um simples “servo”; ele quer que a sua dignidade seja elevada em nível de “colaborador”. Foi assim que Deus imaginou o homem em seu projeto inicial que o livro de Gênesis nos manifesta na narração da criação: o homem foi constituído desde o início colaborador de Deus.
A confiança que o senhor da parábola demonstra para com seus servos é uma imagem de quanto o homem é importante para Deus, de como cada um de nós é único e aquilo que pode realizar um, nenhum outro poderá realizar. Deus escolheu precisar do “sim” do homem para que o homem re-descubra a sua autentica vocação e dignidade. Essa é a finalidade da entrega daqueles enormes valores para serem administrados em nome do Senhor.
Com isso, Jesus está nos sugerindo de olhar bem de perto os grandes valores que o Pai nos entregou para serem administrados, nos pede para que não fiquemos escravos da frustração que nos faz buscar fora o que já temos dentro. Jesus nos pede que não corramos atrás de bens imaginários sugeridos como valores enquanto que, riquezas incalculáveis e verdadeiros valores que já possuímos ficam no esquecimento... Quanto vale a paz do coração? Quanto vale o sorriso? Quanto vale a confiança numa palavra dada? Como se mede o abraço de uma filha, de uma criança que se lança ao colo do pai? Como se mede a amplidão do coração generoso que se abre para quem chora? Como se mede a profundidade de um olhar de perdão? E, quanto vale um coração que se entrega a Deus?
Nunca Deus agiu sem a participação do homem, nunca violentou sua liberdade, Deus faz para o homem aquilo que o homem faz colaborando no mesmo objetivo. À imagem de Deus, também o homem é capaz de criar, criar realidades novas que exigem tudo de si, que comprometem todo o seu ser em função de algo que é maior do próprio objetivo particular. Analogamente, vemos na parábola que os servos estão administrando para seu senhor, não para si.
Imagem essa, que nos diz que a realização do projeto de Deus é para todos e supera cada um, que a salvação a felicidade é para toda a humanidade, não apenas para si. Dois servos entenderam isto, cada um deu o melhor de si mesmo para algo que não lhes pertencia. A generosidade faz do servo um homem rico, não empobrece; a mesma parábola, no Evangelho de Lucas acrescenta algo mais: o servo se torna dono. Dois deles não tiveram medo de se arriscar, contando única e exclusivamente com suas próprias forças. Todos eram servos, todos tinham as mesmas condições, o que os diferenciou foi a generosidade em trabalhar com todo si mesmo para algo que não era deles.
Quanto grande e libertadora é a proposta de Jesus e como é diferente daquela proposta egoísta que nos é feita a cada dia quando ouvimos que o que conta é a competição e o resultado para si mesmo!
O ultimo servo teve medo de arriscar, teve medo de envolver-se e, pior, acreditou num preconceito sobre o seu senhor, um preconceito que não o tornou livre para dar o melhor de si mesmo. Fez aquilo que o direito da época colocava como condição mínima para não ser considerado responsável em caso houvesse algum problema. Sim a visão minimalista pela qual era suficiente enterrar um valor para não ser mais responsável do valor.
É este o desamor que destrói o homem, é esse o mal que está sempre à espreita para sufocar a parte melhor do homem. O senhor da parábola fica feliz com o resultado dos servos e os convida a «participar da alegria do seu senhor»; o resultado de quem dá a sua vida para Deus é apenas um: é um homem feliz. Não é isso que está faltando ao nosso mundo que foi capaz de excluir Deus da própria vida? Não essa a maior pobreza do nosso século?
Temos ainda uma surpresa final: os servos que eram apenas administradores de uma riqueza que não lhes pertencia, de repente se transformam em proprietários da riqueza que administravam! É assim que Deus age!
Apenas, creio, que Jesus queira nos dizer uma só coisa: não tenha medo de dar a Deus o melhor de você mesmo! Você poderá ter uma surpresa final, algo que absolutamente não poderia sequer ter esperado, algo que fará de você o que você nunca teria imaginado de ser.
Um bom domingo a todos,
Pe. Carlo
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