terça-feira, 23 de agosto de 2011

SÉRIE - MITOS LITÚRGICOS COMENTADOS - Mito 20: Entender tudo é preciso?

Mito 20: "Para participar bem da Missa é preciso entender a língua que o padre celebra"

Não é preciso.


Embora possa ser útil compreender a língua que o padre celebra (e por isso são amplamente divulgados os missais com tradução em latim / português, nos meios em que a Santa Missa é celebrada em latim), o principal é contemplar o Mistério do Santo Sacrifício que se renova no altar, e para isso não é necessário compreender todas as palavras.

Missa não é jogral.

O Cardeal Ratzinger, hoje Papa Bento XVI, afirma ("O sal da terra"):

"A Liturgia é algo diferente da manipulação de textos e ritos, porque vive, precisamente, do que não é manipulável. A juventude sente isso intensamente. Os centros onde a Liturgia é celebrada sem fantasias e com reverência atraem, mesmo que não se compreendam todas as palavras." 

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Comentário sobre este ponto (24/09):

Vemos hoje muitos se rejubilarem em ver o latim "sepultado", dizendo com entusiasmo:

"Graças a Deus que hoje Missa é português, antigamente era latim e ninguém entendia nada!"

Ora, e hoje, que a Missa é em português, quem entende o que é a Santa Missa?

Quem sabe hoje que ela é a Renovação do Santo Sacrifício de Cristo e o que isso significa?

Pois a Santa Missa é a Renovação do Seu Único e Eterno Sacrifício, consumado de uma vez por todas na cruz e tornado presente no altar, oferecido a Deus Pai, pelas mãos do sacerdote; pois na Santa Missa, Nosso Senhor Jesus Cristo está presente verdadeiramente no Santíssimo Sacramento do Altar, em Corpo, Sangue, Alma e Divindade, nas aparências do pão e do vinho, como afirma o Catecismo da Igreja Católica, n. 1362-1377; 1411).

Será mais gente do que na época que as Missas eram em latim?

Como escreveu o Dr. Rafael Vitola:

"Na Missa não precisamos entender as palavras, precisamos entender é o que está acontecendo. De outra sorte, pergunto: é preciso que o povo entenda as PALAVRAS da Missa? Não! O que é preciso é entender a PRÓPRIA Missa! Todos entendemos todas as palavras da Missa? Claro que não. Há muitas passagens de altíssima teologia, que quase ninguém entende.Mas isso não nos impede de colher frutos da Missa. Se o entendimento das palavras da Missa fosse necessário para cresceres espiritualmente e para apreenderes os frutos da liturgia, então só doutores em teologia iriam à Missa, só eles se beneficiariam. (...) Importa entender que a Missa é o Sacrifício da Cruz e nos unirmos a esse ato sublime. Não importa entender o que as palavras da Missa dizem. Ajuda? Sim, pode ajudar, mas importar não importa. E quem quiser acompanhar as palavras pode decorar a Missa em latim, como decora o português, e ainda acompanhar pelos missais e folhetinhos.(....) O motivo de muitos não gostarem do latim é por não terem entendido o que é a Missa, ainda. A Missa é PARA DEUS, não para os homens. Não somos nós que temos de entender as palavras, mas Deus."

Realmente, como falamos anteriormente, a Santa Missa, em essência, é para Deus e não para os fiéis, pois ela é a Renovação do Santo Sacrifício de Nosso Senhor, oferecido a Deus Pai pelas mãos do sacerdote. Embora, como foi dito, os fiéis que participam da Santa Missa se beneficiam. Pois na Missa, Nosso Senhor "se sacrifica sem derramamento de sangue, e nos aplica os frutos da sua Paixão e Morte." (Catecismo de São Pio X, n. 254) Assim, nós somos BENEFICIÁRIOS da Missa, mas o DESTINATÁRIO é Deus.

Essa consciência de que A MISSA É PRA DEUS, certamente, é um dos elementos que falta para muitos compreenderem o valor do latim.

Porém, vamos também um outro elemento no homem moderno, de natureza essencialmente anticristã e mesmo antirreligiosa, que é barreira para o latim na Liturgia: o RACIONALISMO.

Em que sentido se dá esse racionalismo?

Antes de explicitarmos a resposta, importa compreender que a Doutrina Católica defende um equilíbrio entre a fé e a razão. O saudoso Papa João Paulo II escreve que "a fé e a razão constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade." (Fides et Ratio, 1) Antes disso, o Concílio Vaticano I (1797) em 1870 já havia definido a respeito da fé e da razão: "Jamais pode haver verdadeira desarmonia entre uma e outra, porquanto o mesmo Deus que revela os mistérios e infunde a fé, dotou o espírito humano da luz da razão".

Pela luz natural da razão, podemos compreender que Deus existe. O Concílio Vaticano I (n. 1785) definiu que a "Santa Igreja crê e ensina que Deus, princípio e fim de todas as coisas, pode ser conhecido com certeza pela luz natural da razão humana, por meio das coisas criadas." Também pela razão podemos identificar os sinais da Revelação de Deus em Nosso Senhor Jesus Cristo, através dos milagres de Nosso Senhor e dentro da Sua Santa Santa Igreja, e das evidências históricas da Origem Divina da Igreja (Catecismo da Igreja Católica, n. 156). Pela fé, que é a uma adesão da inteligência e da Vontade à Verdade revelada por Deus em Nosso Senhor, podemos conhecer algo a mais da Verdade a respeito de Deus e de nós, além do que a luz natural da razão revela (Catecismo da Igreja Católica, n. 155).

O "fideísmo" (fé sem razão) é um desequilíbrio, é comum o vermos em declarações que expressam uma mentalidade de origem protestante e gnóstica, que desmerecem a matéria, o ser humano e a razão humana, com frases do tipo: "Não estude, senão você vai perder a fé!"

O desequilíbrio oposto é o "racionalismo" (razão sem a fé), que tem o seu grau mais extremado no ateísmo ("não é possível provar pelo método científico que Deus existe, logo, Deus não existe...") e no agnosticismo ("não é possível provar pelo método científico que Deus existe, logo, não podemos saber se Deus existe"), que é um ateísmo prático; ou mesmo no relativismo pós-moderno, onde a razão, já divorciada da fé, busca certezas matemáticas daquilo que ela não pode dar e acaba negando-se a si mesmo, afirmando que e a verdade não pode ser conhecida de maneira objetiva, então cada um tem a "sua verdade"; ou seja, a razão sem a fé logo acaba distorcida e negando a própria razão.

Entretanto, este racionalismo, que teve a sua maior manifestação à partir do iluminismo, influenciou os próprios católicos e certas correntes teológicas, e mesmo a teologia litúrgica.

De clara influencia racionalista é, por exemplo, a pretensão de "querer abarcar toda a realidade" dentro da nossa cabeça, e por isso, querer tirar de cena aquilo que é Mistério e o que aponta para o Mistério.

Ora, Deus não cabe dentro de nossa cabeça, e para nós, Nele sempre haverá Mistério!

Esta tendência racionalista, de tirar o Mistério, acontece mesmo dentro do campo litúrgico, onde vemos a pretensão de eliminar aquilo que "nem sempre compreendemos" e que aponta para o Mistério de Deus, que é algo que nossa razão não consegue abarcar completamente. E este é um dos motivos da oposição ao latim, ao esplendor, ao incenso...

"Em um país de esmagadora maioria de analfabetos, iríamos eliminar as letras, os sinais de pontuação, a gramática? Se a resposta ao analfabetismo é a alfabetização, a resposta a um século que não lê os símbolos é ensinar-lhes o seu significado, não propor seu banimento! O homem advindo do racionalismo não entende os símbolos, não é capaz de aprofundar no belo, vê o fausto e o esplendor como farisaísmo estéril ou triunfalismo." Rafael Vitola

"O homem moderno parece ter uma necessidade de entender tudo, de saber de tudo. O homem moderno acha-se tão superior que não admite mistérios, não admite símbolos, não admite segredos. Hoje, efetivamente, como aos pagãos, poder-se-ia falar na “loucura da Cruz” (I Coríntios 1,18) porque, para o homem racionalista moderno, um mistério tão grandioso como a Salvação dos homens na Cruz por Cristo, como a Transubstanciação na Missa, um Deus assim tão inefável e transcendente, que não cabe na mente humana, seria uma loucura. (...)

A Missa, na cabeça de muitos, deixou de ser Mysterium Fidei e passou a ser Mysterium rationis, mistério da razão; isso causa conseqüências nefastas: seria preciso adaptar a Liturgia à melhor maneira de o homem entendê-la, pois ela é um mistério de sua razão; o homem é posto no centro, e Deus daí é retirado; o antropocentrismo penetra, e com ele os abusos. (...)

Por que esta necessidade de que o homem saiba por seus sentidos de tudo que se passa? É o racionalismo que penetrou na Missa; o homem agora não se contenta com o Mistério, precisa ouvir tudo, saber de tudo; sua razão orgulhosa não permite que ele não saiba de tudo. (...)

A rejeição do latim por muitos fiéis, sacerdotes e Bispos é também reflexo da penetração do racionalismo. O latim que possui profundo sentido teológico: além de ser a conexão com as inúmeras gerações passadas da Igreja, preserva melhor o sentido dos textos, protege-os das evoluções das línguas vernáculos e, assim, das corruptelas de doutrina, além de ser a língua da Igreja de Roma, o que demonstra perfeitamente a comunhão com esta Igreja, “com a qual todas as outras Igrejas devem se conformar”, segundo Santo Irineu. O Papa Beato João XXIII, na Constituição Apostólica Veterum Sapientia, dá inúmeras razões para que o latim permaneça como a língua da Liturgia. Paulo VI lamentou sua perda diversas vezes. João Paulo II quis recuperá-lo. Bento XVI permanece na luta pelo seu resgate.

O latim, por não ser uma língua do cotidiano, expressa muito bem o Mistério de Deus: inefável e incompreensível em sua Majestade, a Deus a Igreja não se dirige como se dirige ao povo, na sua língua pátria; a Igreja se dirige a Deus por uma língua própria para Ele, uma língua solene, uma língua que a razão humana tem dificuldade de entender, como tem dificuldade de entender a Deus. Por isso mesmo o latim cria um ambiente de solenidade, de transcendência, de sagrado, de Mistério. Mysterium Fidei. Mas rejeita-se o latim, apesar de seu profundo sentido. A justificativa para essa rejeição injustificável? É comumente dito que “o povo não entende”. Esta justificativa é denúncia máxima da penetração do racionalismo na Liturgia. Por que o povo precisa entender tudo na Missa e não apenas o essencial – como de Deus não entendemos tudo, mas só o essencial, que Ele mesmo nos revelou? Por que é preciso que o povo saiba o que se diz a cada ato? Por que é necessário que o povo escute claramente cada palavra, que a razão humana entenda todo o texto, em seus mínimos detalhes? Porque, para o homem moderno, nada tem razão de ser se não passa pela sua razão; o homem moderno tem que entender tudo, sua ambição é pela onisciência. (...)... e, assim, não se nota que o sentido máximo da Liturgia não está dentro da mente humana, que a Liturgia tem seu sentido maior justamente fora da mente humana, em Deus, que é Mistério. (...)

Para resolver o problema do racionalismo, um dos primeiros e mais imediatos passos é a restauração do latim na celebração a Missa Nova e sua preferência em relação às línguas vernáculas. (...)

Mas nada disso adiantará se não for feita uma reforma das convicções do homem moderno. É preciso que o católico moderno não caia na tentação de idolatrar-se ou idolatrar sua razão, como tristemente faz a Modernidade, em seu infeliz racionalismo. É preciso reconhecer nossa pequenez diante de Deus, a pequenez de nossa razão perante o Seu Mistério. Em suma, é preciso ter humildade. Ir à Missa com humildade e reconhecer-se pequeno, indigno. Essa é uma atitude de todo necessária para consertar este grave problema do racionalismo na Liturgia, que tantas más e graves conseqüências vem provocando. A Liturgia não é mysterium rationis ou mysterium populi: ela é Mysterium Fidei, expressão do "Mysterium Dei."

Para exemplificar todo esse caráter "mistérico" da Santa Missa, olhemos para diferentes maneiras de expressar isso em diferentes formas litúrgicas.

"Na forma tradicional do Rito Romano, todo o Ofertório e o Cânon eram rezados em voz baixa, de forma que só o sacerdote o pudesse ouvir, mas não o povo. O sentido é de que esta Oração santíssima deveria ser envolvida em mistério, preservado do barulho mundano, resguardado pelo sacerdote num manto de silêncio sagrado, como era resguardada por um véu a Arca da Aliança no Templo. No Oriente ainda há Ritos cuja Consagração é celebrada em completo mistério no interior de um presbitério, sem que o povo possa vê-lo ou ouvi-lo. Hoje em dia há quem se escandalize em saber que na Missa Tradicional o povo não ouve o Cânon. (....) Por que esta necessidade de que o homem escute tudo? Por que esta necessidade de que o homem saiba por seus sentidos de tudo que se passa?"

No oriente, vela-se o presbitério para expressar o Sagrado.

Na tradição do Ocidente, vela-se a voz para expressar o Sagrado.

São diferentes formas de manifestar o Mistério.

É neste contexto de indicar com sinais aquilo que é Sagrado que a Santa valoriza o latim: uma língua especial, mistérica.

Complementando ainda as afirmações, é curioso observar que hoje, ao mesmo tempo em que se exclui da Liturgia o latim por "o povo não entender tudo", se valoriza em ambientes católicos e protestantes formas de oração em que os fiéis se dirigem a Deus com sons inexprimíveis...

Uma pequena partilha pessoal:

Quanto escrevi no artigo a frase "Missa não é jogral", pensava comigo: o Mistério Eucarístico é algo muito mais profundo do que simplesmente ler, escutar e estender textos. Isso é só a casca.

Mas infelizmente, vejo que a Santa Missa é vivida assim por muita gente, e talvez pela falta de testemunho da nossa parte.

Eu lembro que quando criança eu achava muito entediante ir a Santa Missa, e em parte, atribuo isso também a falta de sacralidade e de mística das Missas que ia. Parecia que era vivido no ambiente como um jogral, onde se lê, se escuta, se canta...

E vejam: NÃO estou dizendo isso necessariamente pela falta do latim, mas pela falta de sacralidade e esplendor em geral.

É uma consciência litúrgica que se precisa despertar para compreender o valor do latim: contemplação, adoração, Sacralidade, Mistério, em oposição ao racionalismo e ao relativismo que nos cerca.

Contudo, tendo visto esse significado litúrgica das coisas, vejamos agora a nossa realidade pastoral. Como vimos na postagem anterior, O Cardeal Ratzinger, hoje Papa Bento XVI (no livro "O sal da Terra", de 1996), reconhece que a "nossa cultura mudou tão radicalmente nos últimos trinta anos que uma liturgia celebrada exclusivamente em latim envolveria um elemento de estranheza que, para muitos, não seria aceitável."

O que queremos NÃO é acabar com a língua vernácula, mas promover a língua latina. Penso que um dos caminhos é investir no uso do latim (talvez apenas durante a Liturgia Eucarística, em um primeiro momento) *** quando o público é suficientemente formado e preparado para isso *** - por exemplo, nas Missas celebradas para alguns institutos, comunidades e grupos particulares.

O "Cardeal (Francis Arinze, Prefeito da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramento) também sugeriu que as paróquias maiores tenham uma Missa em latim pelo menos uma vez por semana e que as paróquias rurais e menores a tivessem pelo menos uma vez ao mês." (ACI Imprensa, 16 de Novembro de 2006)

Um dos caminhos também é avaliar a possibilidade promover em paróquias Missas em Latim (talvez apenas durante a Liturgia Eucarística, em um primeiro momento), talvez começando, por exemplo, uma vez por mês ou a cada dois meses, talvez em um ***horário alternativo*** (ou seja, em um horário onde normalmente NÃO haja Missa, para que os que não apreciem o latim não sintam-se constrangidos).

Se o público da paróquia estiver suficientemente preparado e formado, pode-se partir para a iniciativa de algumas Missas em Latim (talvez também apenas durante a Liturgia Eucarística, em um primeiro momento) nas principais Solenidades Litúrgicas do ano (como Páscoa, Natal, Corpus Christi, Maria Mãe de Deus...), para posteriormente ir tornando mais frequentes essas celebrações em latim.

Algo que penso ser bastante útil, para estas novas experiências litúrgicas, é ter nesse casos os livrinhos ou folhetos com a tradução "latim/português", para todos acompanharem o Rito (embora, como o Santo Padre falou na citação mais acima, NÃO seja estritamente necessário entender cada palavrinha)...

Nas aparições da Santíssima Virgem em Fátima (Portugal, 1917), oficialmente reconhecidas pela Santa Igreja, quando o Anjo apareceu para as crianças, antes da Virgem aparecer, ele trazia consigo uma Hóstia Consagrada. Prostrando-se por terra, ensinou a elas a seguinte oração:

"Meu Deus: eu creio, adoro, espero-vos e amo-vos. Peço-vos perdão por aqueles que não crêem, não adoram, não esperam e não vos amam."

Que a Grande Mãe de Deus, Mãe da Eucaristia, pela Sua Poderosa Intercessão, nos conceda a graça de crer, adorar, amar e zelar pelo Santíssimo Corpo do Deus-Amor Sacramentado e pelo Santo Sacrifício da Missa...

Publicada por Francisco Dockhorn

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