Ana Maria Bueno Cunha
Esta é uma fundamental verdade da fé, e por ela sabemos que a natureza humana e a natureza divina de Nosso Senhor Jesus Cristo nem se confundem, nem se separam. Formam, unidas a tal ponto, uma única Pessoa, a saber: a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade.
Foi no IV Concílio Ecumênico, conhecido como Concílio de Calcedônia (convocado no ano 451), que a Igreja formalizou dogmaticamente esta verdade. Eis como os Padres Conciliares definiram as duas naturezas em Cristo (Sessão VI – 22/10/451):
”Seguindo, pois, os Santos Padres, unanimemente ensinamos que se deve confessar: "Um só e mesmo Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, perfeito na Sua divindade e perfeito na Sua humanidade, verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, [composto] de alma racional e de corpo; consubstancial ao Pai quanto à divindade, consubstancial a nós quanto à humanidade, “em tudo semelhante a nós, menos no pecado” (Heb 4,15); gerado do Pai antes dos séculos, segundo a divindade; e, nos últimos tempos, por nós e para a nossa salvação, [gerado] de Maria Virgem, Mãe de Deus, segundo a humanidade; que se deve reconhecer um só e mesmo Cristo Senhor, Filho Unigênito, em duas naturezas, sem confusão, imutáveis, indivisíveis, inseparáveis, de nenhum modo suprimida a diferença das naturezas por causa de sua união, mas salvaguardada a propriedade de cada natureza e confluindo numa só Pessoa e hipostase, não separado ou dividido em duas pessoas, mas um só e mesmo Filho Unigênito, Deus-Verbo, Senhor Jesus Cristo, como outrora nos ensinaram sobre Ele os profetas e depois o próprio Jesus Cristo, e como nos transmitiu o símbolo dos Padres"
A encarnação de Jesus Cristo realiza-se na plenitude dos tempos, e com ela vivemos e antecipamos desde já aquilo que será a realidade final na ressurreição dos mortos.
Esta encarnação do Filho de Deus permite ver realizada uma síntese duradoura e definitiva que a mente humana, por si mesma, nem sequer poderia imaginar: “o Eterno entra no tempo, o Tudo esconde-se no fragmento. Deus assume o rosto do homem”. Deste modo a verdade expressa na revelação de Cristo, deixou de estar circunscrita a um restrito âmbito territorial e cultural, abrindo-se a todo homem e mulher que a queiram acolher como palavra definitivamente válida para dar sentido a existência. [Carta Encíclica Fides et Ratio, de Sua Santidade o Papa João Paulo II].
Ao depararmos com os Santos Evangelhos, vemos Cristo divino e humano, curando os homens e suas chagas, tanto físicas quanto espirituais. As multidões se acorriam a Ele porque no mais íntimo de seu ser buscavam o Eterno, Àquele que poderia tirá-los da escuridão em que se encontravam; porque todos, sem nenhuma exceção, haviam pecado e todos estavam privados da glória de Deus (Rom. 3, 23), e o Pai que tanto amou o mundo, porque este foi feito por Ele e de uma maneira perfeita - porque Ele é perfeito -, ao ver a humanidade desolada, fadada ao abismo e longe de sua face santa, enviou seu único Filho, para que todos os que n’Ele cressem, não perecessem, mas que fossem salvos por Ele.
Com efeito, só no Verbo de Deus feito carne se realizou a obra de nossa Redenção, e o instrumento da nossa salvação foi a Humanidade de Jesus – corpo e alma – na unidade da pessoa do Verbo [cf. Constituição Dogmática Sacrosanctum Concilium, do Concílio Vaticano II n.5]. Esta humanidade é o único caminho para a salvação dos homens e o meio insubstituível para nos unir com Deus. Jesus se fez homem como nós e não se prevaleceu somente de sua divindade, mas porque nos amou até o fim, quis fazer a vontade do Pai e pela obediência e entrega total de seu ser, veio para satisfazer a ofensa infinita da desobediência do homem feita à Deus que é Santíssimo, causa de toda ruína humana.
Sendo Deus, qualquer ato seu já seria suficiente para aplacar a ira divina e satisfazer toda ofensa, e como homem, poderia nos representar, porque entre nós, não havia um justo sequer, por isso Ele disse: Eis que venho, ó Deus, para fazer a Tua vontade (Sal 39, 7 ss), se encarnou , cumpriu toda a lei e se deu por inteiro, se fez vítima no silencio do seu amor, se fez cordeiro e como um foi levado ao matadouro, manifestando ali a face do verdadeiro Deus que é misericordioso, e que ama seus filhos desobedientes, porque sabe do que é que são feitos. O Pai, no Filho, pelo poder do Espírito Santo, estende a mão à humanidade perdida, entrega seu maior bem e abre através do corpo deste bem, as portas do céu. Consome-se, desgasta-se, morre, para que junto d’Ele, morra a morte, aquela que aprisiona todo ser. E vence o demônio, autor de toda mentira e da desgraça do homem.
A Cruz que era sinal de escândalo para o mundo se tornou para nós que cremos, sinal de salvação e de esperança, penhor da nossa Redenção eterna. Na cruz se deu a vitória da obediência sobre a desobediência, da humildade sobre o orgulho (raiz de todo pecado), da luz sobre as trevas.
Meditemos no Senhor, chagado dos pés à cabeça por amor de nós. Com frase que se aproxima da realidade, embora não consiga exprimi-la completamente, podemos repetir com um escritor de há séculos: O corpo de Jesus é um retábulo de dores. À vista de Cristo feito um farrapo, transformado num corpo inerte descido da Cruz e confiado a Sua Mãe, à vista desse Jesus destroçado, poder-se-ia concluir que esta cena é a exteriorização mais clara de uma derrota. Onde estão as massas que o seguiram e o Reino cuja vinda anunciava? Contudo, não temos diante dos olhos uma derrota, mas sim uma vitória: - está agora mais perto do que nunca o momento da Ressurreição, da manifestação da glória que Cristo conquistou com a Sua obediência” (Cristo que passa, n. 95)
“Quem é capaz de morrer quando queira, como Jesus morreu quando quis? Quem pode revestir-se da morte quando queira, como Ele Se despojou de Sua carne quando quis?(...) Quanto deve esperar-se ou temer-se o poder daquele que virá para julgar, quando tão grande apareceu no momento de morrer!” (Novo Testamento - Edição de Navarra p. 1411. Evangelho de São João)
Os méritos e as graças conquistadas na cruz, foram suficientes para redimir toda humanidade, e para dispensá-las aos homens, por quem Ele morreu, enquanto esteve na sua vida terrena, Jesus quis formar aqui uma Igreja, que apontaria para Ele e muito mais que isso, seria nela e por ela, que todos os homens conseguiriam se achegar de novo ao Pai, e como sem “fé é impossível agradar a Deus” (Hb 11,6), ninguém jamais pode ser justificado sem ela, nem conseguir a vida eterna, se nela não “perseverar até o fim” (Mt 10,22; 24,13).
Ora, para que pudéssemos cumprir o dever de abraçar a verdadeira fé e nela perseverar constantemente, Deus instituiu, por meio do seu Filho Unigênito, esta Igreja, e a muniu com as notas manifestadas em sua instituição (Santa, Católica, Apostólica e Romana), para que pudesse ser reconhecida como guardiã e mestra da palavra revelada.
Nos três anos de seu ministério público, Jesus chamou 12 apóstolos que estariam com Ele, os formou, e deu a eles a tríplice missão da Igreja que é: Ensinar – “Ide, pois, ensinai a todos os povos [...]. Ensinando-os a observar todas as coisas que vos mandei “(Mt. 28,19-20). Santificar – “Batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo (Mt. 28,19); Isto é o meu corpo [...]; fazei-o em memória de mim” (Lc. 22,19); Àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados. Àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos (Jo. 20,23); e governar em seu nome – “Se se recusar a ouvi-los, dize-o à Igreja. Se não ouvir a Igreja, considera-o como um gentio ou um publicano. [...] Tudo o que ligardes sobre a terra, será ligado no céu; e tudo o que desatardes sobre a terra, será desatado no céu (Mt. 18,17-18); Quem vos ouve, a mim ouve, e quem vos despreza, a mim despreza (Lc. 10,16).
“Para manter a Igreja na pureza da fé transmitida pelos Apóstolos, Cristo quis conferir à sua Esposa uma participação na sua própria infalibilidade, Ele que é a Verdade.” Pelo sentido sobrenatural da fé, o Povo de Deus se atém indefectivelmente à fé, sob a guia do Magistério vivo da Igreja (cf. Constituição Dogmática Lumen Gentium, do Concílio Vaticano II. 12,DV 10).
“A missão do Magistério está ligada ao caráter definitivo da Aliança instaurada por Deus em Cristo como seu Povo; deve protegê-lo dos desvios e dos desfalecimentos e garantir-lhe a possibilidade objetiva de professar sem erro a fé autêntica. O ofício pastoral do Magistério está assim ordenado ao cuidado. para que, o Povo de Deus permaneça na verdade que liberta. Para executar este serviço, Cristo dotou os pastores do carisma de infalibilidade em matéria de fé e de costumes” (TRESE, Léo. Fé Explicada p. 138)
Quando o Menino Deus veio ao mundo, iluminou a todos, porque o povo que andava nas trevas viu uma grande luz, e a estrela que indicava o caminho, brilhou para aqueles que procuravam Deus em seus corações, e a Ele, vieram os pastores, os reis magos, indicando que a todos foi oferecido o caminho, a salvação, a vida.
Já não há mais motivos para que os homens se percam, para que vivam nas trevas do pecado, pois todos, independente de raça, tribos e nações, poderão buscar o Senhor, já que Ele tem se deixado encontrar e está perto dos que o invocam com sinceridade.
“Deus, infinitamente Perfeito e Bem-Aventurado em si mesmo, em um desígno de pura bondade, criou livremente o homem para fazê-lo participar de sua vida bem-aventurada. Eis por que, desde sempre e em todo lugar, está perto do homem. Chama-o e ajuda-o a procurá-lo, a conhecê-lo e a amá-lo com todas as suas forças. Convoca todos os homens, dispersos pelo pecado, para a unidade de sua família, a Igreja”. [Catecismo da Igreja Católica – Prólogo]
O Pecado ainda está no mundo e este jaz no maligno, mas a graça, o poder de Deus dispensados através de seu Santo Espírito, que é o espírito da verdade, renova este mundo, revela Deus aos corações, e mostra aos homens que o mal não é vencedor de nada, porque este espírito santifica todo homem e o torna semelhante a Deus, já que põe em seus corações o germe do bem e do amor.
Este mesmo Espírito convoca os homens a verem de novo a estrela, sim, porque ela continua brilhando, mas hoje não mais leva os homens à manjedoura, porém à Igreja, constituída por Cristo, saída do seu lado direito, de suas chagas, de onde verteu sangue e água, para dar vida aos homens. Nela e somente nela, poderão como no tempo dos santos Evangelhos se encontrar com o mesmo Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro homem e poderem ter de novo, sua chagas curadas.
Ele mesmo quis e através do memorial de sua paixão, todos os dias, em todos os altares do mundo, se faz alimento e os homens poderão de novo recebê-lo, porque Ele quis se fazer desse modo para sustentar a todos, que pela fé se achegarem a Ele, nesta caminhada rumo a pátria celeste; onde não haverá mais choro nem dor, no entanto nos encontraremos face a face com Ele e gozaremos juntamente com os Santos, os anjos e Nossa Mãe Santíssima, de sua presença gloriosa, onde haverá louvores sem fim, e poderemos viver eternamente com Ele na glória.
Portanto, se quisermos nos encontrar com o Deus feito homem, temos que necessariamente nos aproximarmos - sem a mácula do pecado -, da mesa da Eucaristia, porque ali estará a cura, a graça e sobretudo o próprio autor da vida. E a vida que Ele nos oferece, é vida em abundância já aqui neste mundo. Busquemos o Reino de Deus e sua justiça e o resto nos será acrescentado, é promessa de Deus e nela confiamos. Amém.
Fonte: Sociedade Católica (http://www.sociedadecatolica.com.br).
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