domingo, 23 de outubro de 2011

Catequese - XXX Domingo do Tempo Comum




Evangelho comentado pelo Pe Carlo Battistoni
Postado por Jorge Kontovski em 22 outubro 2011 às 13:13


XXX Domingo 
Mt 22,34-40

« Os fariseus ouviram dizer que Jesus tinha feito calar os saduceus. Então eles se reuniram em grupo, e um deles perguntou a Jesus, para experimentá-lo: “Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?”. Jesus respondeu: “‘Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento!’ Esse é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a esse: ‘Amarás ao teu próximo como a ti mesmo’. Toda a Lei e os profetas dependem desses dois mandamentos”. »

PALAVRA DA SALVAÇÃO - Glória a Vós, Senhor!


No domingo passado, o Evangelho nos fez refletir sobre uma das três tentativas das autoridades religiosas de cercar Jesus para apanhá-lo de um modo ou de outro. Nas primeiras duas, Jesus deu respostas sábias que deixaram divididos entre si fariseus e saduceus. Tratava-s de saber de que lado Ele estava ou se, porventura, tinha uma outra doutrina a ser apresentada ao lado das doutrinas ensinadas pelos três maiores rabinos da época: Hillel, Shammai e Gamaliel. Qual seria a doutrina desse novo mestre? O que Ele pensava quanto à Lei? Essas eram as perguntas que levaram os fariseus a questionar Jesus.

O diálogo se abriu com a pergunta clássica que um discípulo fazia ao entrar numa escola rabínica: «Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?». Um hebreu entendia por “Lei” todo o conjunto das obras que Jahvé fizera para libertar o seu povo e consagrá-lo. A formulação do Decálogo, por exemplo, está estritamente ligada e é dependente das ações de Deus, tanto contra os egípcios, quanto em favor de Israel, como o fato de acompanhar o povo deserto adentro, nunca deixando faltar a sua providência (Ex 20,2). Palavras e ações de Deus formam, na Escritura, uma só realidade. 


As “Palavras” que Jahvé deixou codificadas, especialmente nos livros de Êxodo, Levítico e Deuteronômio, indicavam o caminho a ser percorrido para que todo o povo de Israel pudesse se transformar num povo consagrado: «Se ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança, então, sereis a minha propriedade peculiar dentre todos os povos, sereis reino de sacerdotes e nação santa» (Ex 19,5).

A “consagração”, isto é: o fato de se sentir propriedade exclusiva de Deus, permitiria a Israel também agir “como Deus agiria” e, assim sendo, mostrar às nações o verdadeiro “nome” de Deus. Entendida desse modo, a “consagração” indicava como que a condição prévia, necessária, para que Israel pudesse realmente servir a Deus. O serviço autêntico seria justamente a “consagração”. Tal consagração era expressa pelo mais antigo “creio” de Israel, com esta fórmula: «Eu serei o vosso Deus, e vós sereis o meu povo» (Lev 26,12).

Realmente, o ato de consagração carrega em si todo o potencial da missionariedade, pois, apenas quem mostra que Deus ocupa o centro de sua vida diz sem palavras o quanto vale Deus! 

Com o tempo e com a progressiva perda do sentido originário do espírito da Lei, esta mesma se transformou numa série de regras e preceitos. De fato é sempre assim: quando se perde o sentido das coisas aumenta o número das regras e a sua minúcia. Na época de Jesus, a perda do espírito da Lei era tão grande que surgiu uma nova legislação feita pela interpretação que os rabinos davam da própria Lei. Havia quem dizia que a lei dos rabinos (615 “Mizvoth”, preceitos ou regras que proibiam uma ou outra coisa) era mais clara do que a própria Lei (Torah) e realmente eficaz para a consagração.

Com essas premissas, é fácil compreender o questionamento dos fariseus: «... qual é o maior mandamento da Lei?». O eixo da questão, infelizmente, tinha sido deslocado sobre a jurisprudência, esquecendo o motivo principal pelo qual existia a Torah: mostrar a santidade de Jahvé, mostrar que Ele é diferente dos outros deuses, dos ídolos que as pessoas constroem para si, mostrar que vale a pena se entregar a Ele... O Deus de Israel é um deus que age de modo diferente, que ama e segue aqueles que a Ele clamam e se entregam sem receios. É um Deus que exige uma relação, pois Deus é relação e o homem, único ser capaz de criar e reinventar a cada momento relações, é imagem Dele. Esse era o sentido originário da Lei, mas…

Como não podemos deixar de ver, ainda em nossos dias, a terrível tentação de passar por cima das motivações básicas da nossa fé e privilegiar formas, métodos, práticas…? Quantos dos nossos gestos visam mostrar a “santidade” de Deus, a certeza na Sua ação providente e amorosa? Quantos dos nossos atos falam “de Deus” e demonstram aquela belíssima atitude que o autor do Cântico exprime tão bem com estas palavras da jovem para o seu amado: «O meu amado é para mim, e eu sou dele» (Ct 1,16)?

Quantas pessoas, que ainda hoje buscam a Deus (analogamente às “nações pagãs” da Escritura), ao nos ver, poderiam dizer: “ …é de Deus!”?

Vamos considerar, por uns instantes, a resposta que Jesus deu. Para tanto peço a licença de recordar um detalhe significativo. Todo hebreu acima de doze anos recitava duas vezes por dia uma oração chamada “shemá”, composta de três partes, resumidas nestas palavras: «Amarás, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força. Estas palavras que, hoje, te ordeno estarão no teu coração; tu as ensinarás a teus filhos, e delas falarás sentado em tua casa, e andando pelo caminho, ao deitar-te e ao levantar-te» (Dt 6,4-9). Como sinal desse mandamento, o judeu piedoso guardava tais escritos em caixinhas (chamadas “filactérios”) amarradas no peito e na testa. Jesus respondeu bem, como os fariseus esperavam, citou tais palavras, indicando com isso que todo o valor contido na Lei é um patrimônio da autêntica fé. Contudo, as palavras do fariseu não passaram de numa fórmula decorada.

Se tais fariseus esperavam encontrar em Jesus uma resposta sobre o maior mandamento, tiveram uma surpresa. Por um lado, Jesus respondeu aquilo que se esperava, mas, logo em seguida, acrescentou outros elementos que estavam decaindo da mente e do coração desses austeros fariseus. Ou seja: não é possível estabelecer qual é o “maior” mandamento sem ter claro que esse é também o “único mandamento”: «Esse é o maior e o primeiro mandamento» (o significado de “primeiro” não indica a ordem, mas a prioridade absoluta). Sem o amor a Deus, não tem sentido qualquer outra coisa que se faça; tudo está condicionado ao amor, pois somente isso manifesta se existe ou não um sentimento de consagração ao Altíssimo. Somente a minha entrega sem reservas mostra realmente quanto alguém é importante para mim. 

Uma entrega condicionada apenas mostra que o outro é um elemento marginal da minha existência. É o homem por inteiro que é envolvido quando se trata de um amor prioritário e, com maior razão se consagrado a Deus. O homem como um todo se dá a si mesmo e recebe o outro; não recebe e dá apenas as suas capacidades, idéias, sentimentos, mas também liturgias, orações, obras de caridade, etc. É o homem que se volta com tudo o que é a Deus. Isso, sim, é sinal de “pertença”, pois quando realmente somos apaixonados, quando realmente amamos algo ou alguém, é todo o nosso ser que fala dele. O amado está sempre nas palavras, nos sinais, na orientação fundamental das escolhas. O amado é procurado pelo amante, não é apenas uma das tantas coisas que existem na vida.

O homem que decide trilhar o caminho do Batismo, por exemplo, descobre passo a passo a riqueza dessa consagração que nos foi oferecida e se alegra pelo sentimento de recíproca pertença que nos faz saborear, mesmo que limitada e analogamente, aquilo que está no íntimo de Deus, que se comunica e se dá no íntimo da Trindade.

Com a sua resposta, Jesus não indicou um preceito, mas o critério que faz de todo preceito alguma coisa que tenha ou não tenha sentido: é o amor real, maduro, que nos projeta fora do nosso mundo. Na resposta, Jesus passava da ação (o que fazer) à relação (o que está por detrás). Fazer as coisas para Deus nem sempre indica o que sentimos por Ele. Quando, ao contrário, sentimos pulsar o nosso coração somente ao ouvir Deus, a respirar a Sua proximidade, então é possível perceber que algo de bem maior esteja já agindo dentro de nós e isso cria gestos espontâneos que nos impulsionam em direção do outro: é o verdadeiro Espírito da autêntica Lei.

A resposta de Jesus continuou abrindo horizontes novos para um fariseu escrupuloso. Tocou três pontos: um novo modo de ver o caminho moral, o amor ao próximo e o amor a si mesmo; contudo, por questões óbvias, somente teremos como deter-nos no primeiro.

Ao “shemá”, Jesus acrescentou outro trecho da Escritura: «…Não te vingarás, nem guardarás ira contra os filhos do teu povo; mas amarás o teu próximo como a ti mesmo» (Lev 19,18). Ora, é preciso saber que as palavras que Jesus indicou como palavras “agradáveis” a Deus são apenas as últimas de uma série de mandamentos expostos ao negativo, ou seja, todos eles são indicados com esta forma: «Não farás, oprimirás, não amaldiçoarás... etc.». Desse modo Jesus deu aos fariseus e a todos nós uma valiosa indicação: mais que evitar isto ou aquilo, mais que combater um limite ou defeito, mais do que lutar contra uma ou outra tendência negativa que encontramos em nós mesmos e em nossos instintos, é melhor e mais eficaz aprender a amar a Deus com a atitude própria de quem consagra-Lhe seu coração. É, sem dúvida, mais agradável a Deus e dá melhor resultado para nós mesmos. 

Quando aprendemos o verdadeiro sentido da Lei, quando sabemos pela vida o que significa colocar Deus como prioridade amorosa, então descobrimos que, lentamente, um a um, passo a passo, os limites que descobrimos em nossa vida, as incoerências, os medos, todos vão desaparecendo, porque o amor a Deus e o amor de Deus tomam conta do nosso “homem total”.

Quantas vezes pode acontecer que, na tentativa de vencer um nosso defeito ou pecado, acabamos fazendo desse mesmo defeito o nosso “deus”! E que esse problema acaba ocupando todas as nossas atenções, a nossa mente, as nossas forças! O homem que se dá plenamente a Deus, dá a Ele o coração inteiro e dá também todos os defeitos e limites, não pensa mais em si mesmo, pois é Ele, o Senhor o libertador de Israel e, diremos nós, o Redentor. Deixemos, então, que o Senhor seja o “Redentor do homem”, entreguemos a Ele a totalidade de nós mesmos, peçamos que nos mostre como e até que ponto se pode amar, e todo o resto o próprio amor irá curar. 

Um bom domingo.
Pe. Carlo


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