domingo, 25 de julho de 2010

Série: Grandeza Cristã na Idade Média VI - Por Rafael Vitola Brodbeck



Para destruir o Cristianismo medieval, os humanistas agnósticos fizeram o Renascimento, com o fascínio pelo paganismo greco-romano. Desculpavam-se alegando que estavam apenas reinstalando os valores culturais e artísticos do mundo clássico. Mentira! Tais valores não precisavam de resgate, pois foram sempre preservados pela Igreja – a mesma que acusavam de obscurantismo. O movimento renascentista quis trazer, isso sim, tudo aquilo que a evangelização do Império e a queda deste pela invasão dos bárbaros germânicos – com sua posterior organização em reinos próprios, e, na unificação destes em Império por Carlos Magno, rei dos francos, com o estabelecimento da vassalagem – tinha sepultado com a luz do Evangelho: sexualidade desordenada, culto do corpo, dissociação entre fé e vida privada, absolutismo monárquico, utilização do poder religioso para fins profanos, arte como manifestação de vaidade e não mais de serviço ou de propagação do belo, métodos científicos alienados da crença em Deus, mercantilismo, escravidão. Tudo o que não existia na Idade Média pelo primado da Igreja foi recuperado por esses neopagãos.



Com efeito, apresentou-se como pretexto para o Renascimento a revalorização da cultura clássica. Note-se que o motivo é descaradamente mentiroso. Muitos de boa-fé, concedemos, estavam realmente interessados na promoção das artes. Todavia, a cultura clássica nunca esteve morta na Idade Média, como falsamente alardeavam os renascentistas. Pelo contrário, a filosofia, a arte, a literatura, o Direito, a estética do Medievo foram moldadas no classicismo – iluminado pela fé cristã. De Roma e da Grécia mantiveram os bárbaros invasores costumes e instituições, e os medievais não cessaram de promovê-los. O Pe. Alfred Sáenz, SJ, com muita propriedade, explica que não foram “os chamados ‘renascentistas’ os que voltaram a descobrir a Antigüidade. A Idade Média já conhecia e admirava os tempos clássicos. A diferença é que aqueles iniciaram um movimento de retorno à Antigüidade ‘pagã’, enquanto os medievais a assumiram relendo-a à luz do cristianismo.” (SÁENZ, Pe. Alfredo, SJ. La Cristiandad. Una realidad histórica. Pamplona: Gratis Date, 2005, p. 12)

O que, realmente, da Hélade e da România, não permaneceu foram certos institutos e hábitos incoerentes em face do Cristianismo que triunfou e sabiamente governou a Idade Média. Podemos dizer que os valores positivos greco-romanos permaneceram, ao passo em que os negativos foram logicamente postos de lado, por sua evidente incompatibilidade com a doutrina de Cristo.




Em nome da ressurreição da cultura clássica – que, vimos, não morreu na Idade Média, o que torna absurdo qualquer “renascimento” (só renasce quem morreu) –, a Renascença fez voltar, isso, os contra-valores. O que era bom no classicismo não pereceu no Medievo, ao contrário do que alegam os renascentistas. Tal perecimento inexistente foi criado por mentes perversas para, sob esta mentirosa alegação, revitalizar o que de ruim há tinha sido morto pelo Cristianismo. Percebe-se, nisso, a “coincidência” histórica: no Renascimento apareceram idéias típicas da Antigüidade, como o despotismo dos monarcas, o centralismo estatal, a escravidão, o racismo, o nacionalismo exagerado, o mercantilismo. Todos esses pontos da cultura clássica, tremendamente imorais, negativos, não existiam na Idade Média, justamente pela ação da Igreja, que soube separar o bem do mau dentre as manifestações da Antigüidade.Assim, em vez de despotismo, havia, em geral, a consciência da monarquia como serviço; ao centralismo opôs-se a subsidiariedade no seu modelo máximo: o feudalismo; à escravidão a sociedade hierárquica mas harmônica; ao racismo a fraternidade cristã em sua igualdade essencial (embora desigual nos acidentes, no que se baseia a hierarquia); ao nacionalismo o universalismo europeu; ao mercantilismo a idéia de solidariedade. Claro que isso tudo num plano ideal, eis que, como em qualquer agrupamento humano, houve abusos – em número muito menor, diga-se de passagem, do que os propalados pelos detratores da Idade Média.No período medieval, os valores clássicos positivos foram preservados. A partir da Renascença somam-se a estes os negativos, trazidos pelo antropocentrismo e pelo nascente racionalismo.





Da Renascença ao absolutismo monárquico foi um passo. Idéia clássica, ausente na Idade Média – essencialmente descentralizadora e fiel à subsidiariedade, haja vista o sistema o feudal –, o poder absoluto dos reis é um pensamento que obviamente foi gerado pela intelectualidade renascentista. E quando, descontentes com essa imoralidade que fazia do rei uma espécie de dono da sociedade, e do Estado uma extensão da propriedade privada, alguns iniciaram suas justas críticas a esse status quo, não permitiram os liberais que se voltasse ao regime da Cristandade , que tantos benefícios patrocinara. A contrário senso, conduziram tudo para que a sociedade desse outro passo em direção ao abismo: e venceu a Revolução Francesa, a qual não apenas removeu o nefasto absolutismo. Senão, com ele, muitos traços da ordem social católica que ainda persistiam, teimosamente, a despeito de todos os malefícios renascentistas que se lhe infligiam. “Laicizar o Evangelho e conservar as aspirações humanas do cristianismo suprimindo a Cristo: tal é o essencial da Revolução. Rousseau consumou a operação inaudita, começada por Lutero, de inventar um cristianismo separado da Igreja de Cristo; ele é quem acabou de naturalizar o Evangelho; é a ele a quem devemos esse cadáver de idéias cristãs cuja imensa putrefação envenena hoje o universo.” (MARITAIN, Jacques. Tres reformadores, Buenos Aires: Ed. Santa Catalina, 1945, pp. 171-172) Por isso é que a Joseph de Maistre denomina a Revolução de essencialmente satânica (cf. DE MAISTRE, Joseph. Du Pope, in “Oeuvres choisies”, Paris: A. Roger et F. Chernoviz Éditeurs, 1909, pp. 41). E Mons. Freppel, ao explicar a Revolução Francesa, demonstra como, mais do que uma ação política, “é uma doutrina e uma doutrina radical, uma doutrina que é a antítese absoluta do cristianismo.” (FREPPEL, D. Charles Emile. La Révolution Française, Paris: Editions du Trident, réédition, 1997, p. 21)



Por meio de sucessivos atos, foram se desenvolvendo os tentáculos da Revolução. Da queda dos valores medievais pelo Renascimento foi-se ao estabelecimento de um igualitarismo racionalista, que odiava a fé, e que, por sua vez, favoreceu a terrível descristianização que vemos hoje. O “Cristo sim, Igreja não” de Lutero mudou-se em “Deus sim, Cristo não” dos iluministas, e este, por sua vez, em “Nem Igreja, nem Cristo, nem Deus” dos marxistas. “Sabeis que tal impiedade não amadureceu num único dia, mas há muito tempo estava incubada nas vísceras da sociedade. Na verdade, começou-se por negar o império de Cristo sobre todos os povos: negou-se à Igreja o direito – que emana do direito de Jesus Cristo – de ensinar os povos, de fazer leis, de governar os povos para os conduzir à eterna felicidade. E pouco a pouco a religião cristã foi igualada a outras religiões falsas e indecorosamente rebaixada ao nível destas; em conseqüência, foi submetida ao poder civil e foi deixada quase ao arbítrio dos príncipes e magistrados; indo mais além, houve quem pensasse substituir por certo sentimento religioso natural a religião de Cristo. Não faltavam Estados os quais julgaram poder dispensar-se de Deus, pondo a sua religião na irreligião e no desprezo do próprio Deus.” (Sua Santidade, o Papa Leão XIII, Encíclica Annum Sacrum, de 15 de maio de 1889)

O grande pensador espanhol Ortega y Gasset faz lúcida análise da crise que se abateu sobre a Cristandade, a qual se estende até os dias de hoje com a imoralidade e o ateísmo prático. No seu “Em Torno a Galileu” demonstra a referida crise como situada concretamente no Renascimento, a partir do qual “à figura do mundo vigente em uma geração, sucede uma outra figura do mundo algo diferente. Ao sistema de convicções para agir, sucede um outro.” (ORTEGA Y GASSET, J. Obras Completas, tomo V, Madri: Revista de Occidente, 1962, p. 69)
 

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