sexta-feira, 11 de março de 2011

Por que a Quaresma?




Prof. Felipe Aquino

 
Desde os primórdios do Cristianismo a Quaresma marcou para os cristãos um tempo de graça, oração, penitência e jejum, a fim de obter a conversão. Ela nos faz lembrar as palavras do Mestre divino: “Se não fizerdes penitência, todos perecereis” (Lc 13,3).

Esses quarenta dias que precedem a Semana Santa, são colocados pela Igreja para que cada um de nós se prepare para a maior de todas as Solenidades litúrgicas do ano, a Páscoa, a grande celebração da Ressurreição de Jesus, a vitória Dele e nossa sobre o Mal, sobre o pecado, sobre a morte e sobre o inferno.


A celebração litúrgica não é mera lembrança do passado, algo que aconteceu com Jesus e passou, não. Jesus está presente na Liturgia. O Catecismo diz que: “Pela liturgia, Cristo, nosso Redentor e Sumo Sacerdote, continua em sua Igreja, com ela e por ela, a obra de nossa redenção.” (§1069). Isto é, pela Liturgia da Igreja Ele continua a nos salvar, especialmente pelos Sacramentos, e faz tornar presente a nossa redenção.

Mas para que o cristão possa se beneficiar dessa celebração, precisa estar preparado, com a alma purificada e o coração sedento de Deus. A Igreja recomenda, sobretudo, que vivamos aquilo que ela chama de “remédios contra o pecado” (jejum, esmola e oração), que Jesus recomendou no Sermão da Montanha (Mt 6, 1-8) e que a Igreja nos coloca diante dos olhos logo na Quarta-feira de Cinzas, na abertura da Quaresma.


A meta da Quaresma é a expiação dos pecados, pois eles são a lepra da alma. Não existe nada pior do que o pecado para o homem, a Igreja e o mundo.

Todos os exercícios de piedade e de mortificação têm como objetivo livrar-nos do pecado. O jejum fortalece o espírito e a vontade para que as paixões desordenadas, especialmente aquelas que se referem ao corpo (gula, luxúria, preguiça), não dominem a nossa vida e a nossa conduta. A esmola socorre o pobre necessitado e produz em nós o desapego e o despojamento dos bens terrenos; isto nos ajuda a vencer a ganância e o apego ao dinheiro. A oração fortalece a alma no combate contra o pecado. Jesus recomendou na noite de sua agonia: “Vigiai e orai, o espírito é forte, mas a carne é fraca”.

A Palavra de Deus nos ensina: “É boa a oração acompanhada do jejum e dar esmola vale mais do que juntar tesouros de ouro, porque a esmola livra da morte, e é a que apaga os pecados, e faz encontrar a misericórdia e a vida eterna” (Tb 12, 8-9). 

“A água apaga o fogo ardente, e a esmola resiste aos pecados” (Eclo 3,33). “Encerra a esmola no seio do pobre, e ela rogará por ti para te livrar de todo o mal” (Eclo 29,15).

Jesus ensinou: “É necessário orar sempre sem jamais deixar de fazê-lo” (Lc 18,1b); “Vigiai e orai para que não entreis em tentação” (Mt 26,41a); “Pedi a se vos dará” (Mt 7,7) . E São Paulo recomendou: “Orai sem cessar” (I Ts 5,17).

Quaresma é, pois, tempo de rompimento total com o pecado. Alguns pensam que não têm pecado, se julgam irrepreensíveis, como aquele fariseu da parábola que desprezava o pobre publicano (Lc 18,10 ss); mas na verdade, muitas vezes não percebem os próprios pecados por causa de uma consciência mal formada que acaba encobrindo-os. Para não cairmos neste erro temos de comparar a nossa vida com aqueles que foram os modelos de santidade: Cristo e os Santos. 


Assim podemos nos preparar para o Banquete pascal glorioso, encontrando-se com o Senhor ressuscitado e glorioso com a alma renovada no seu amor.

A Importância do Jejum


A Igreja chama o jejum, a esmola e a oração, de “remédios contra o pecado”; pois cada uma dessas atividades, a seu modo, nos ajudam a vencer o maior mal deste mundo, o pecado. A oração nos fortalece em Deus, a esmola (obras de caridade) “cobre uma multidão de pecados”; e o jejum fortalece o nosso espírito contra as tentações da carne e do espírito, e nos liberta e abre para os valores superiores da alma. 


“Ordenai um jejum” (Jl. 1, 14). São as palavras que ouvimos na primeira leitura da Quarta-feira de Cinzas, quando começa a quaresma. O jejum no tempo da Quaresma é também a expressão da nossa solidariedade com Cristo, preso, torturado, flagelado, coroado de espinhos, condenado à morte, crucificado e morto. 


Ao jejuar devemos concentrar-nos não só na prática da abstenção do alimento ou das bebidas, mas no significado mais profundo desta prática. O alimento e as bebidas são indispensáveis para o homem viver, disso se serve e deve servir-se, mas não lhe é lícito abusar seja da forma que for. O jejum tem como finalidade nos levar a um equilíbrio necessário, e ao desprendimento daquilo que podemos chamar de “atitude consumística”, característica da nossa civilização. 

O homem orientado para os bens materiais, muitas vezes abusa deles. Hoje se busca acima de tudo a satisfação dos sentidos, a excitação que disso deriva, o prazer momentâneo e a multiplicidade de sensações cada vez maior. E isso acaba gerando um vazio no coração do homem moderno, pois sem Deus ele não pode se satisfazer. O barulho do mundo e o prazer das criaturas não conseguem preencher o seu coração. 


A criança, hoje, e também muitos adultos, vivem de sensações, procura sensações sempre novas… E torna-se assim, sem se dar conta, escravo desta paixão atual; a vontade fica presa ao hábito, a que não sabe opor-se. 


O jejum nos ajuda a aprender a renunciar a alguma coisa. Ele nos faz capazes de dizer “não” a nós mesmos, e nos abre aos valores mais nobres de nossa alma: a espiritualidade, a reflexão, a vontade consciente. O jejum nos coloca de pé e de cabeça para cima. Há muitos que caminham de cabeça para baixo; isso acontece quando o corpo comanda o espírito e o esmaga. É o prazer do corpo que o comanda e não a vontade do espírito. 

É preciso entender que a renúncia às sensações, aos estímulos, aos prazeres e ainda ao alimento ou às bebidas, não é um fim em si mesmo, mas apenas um “meio”, deve apenas preparar o caminho para conquistas mais profundas. A renúncia do alimento deve servir para criar em nós condições para poder viver os valores superiores. Por isso o jejum não pode ser algo triste, enfadonho, mas uma atividade feliz que nos liberta. 


Os Padres da Igreja davam grande valor ao jejum. Diz, por exemplo, São Pedro Crisólogo (†451): “O jejum é paz do corpo, força dos espíritos e vigor das almas” e ainda: “O jejum é o leme da vida humana e governa todo o navio do nosso corpo” (Sermão VII: sobre o jejum, 3.1). 

Santo Ambrósio (†397) diz: “A tua carne está-te sujeita (…): Não sigas as solicitações ilícitas, mas refreia-as algum tanto, mesmo no que diz respeito às coisas lícitas. De fato, quem não se abstém de nenhuma das coisas lícitas, está também perto das ilícitas" (Sermão sobre a utilidade do jejum, III. V. VII). Até escritores, que não pertencem ao cristianismo, declaram a mesma verdade. Esta é de alcance universal. Faz parte da sabedoria universal da vida. 


O Mahatma Gandhi dizia: “O jejum é a oração mais dolorosa e também a mais sincera”. “Cada jejum é a oração intensa, purificação do pensamento, impulso da alma para a vida divina, a fim de nela se perder”. “O jejum é para a alma o que os olhos são para o corpo”. (Toschi, Tomas – Gandhi mensagem para hoje, Editora mundo 3, pag. 97, SP, 1977) 

O jejum confere à oração maior eficácia. Por ele o homem descobre, de fato, que é mais “senhor de si mesmo” e que se tornou interiormente livre. Se dá conta de que a conversão e o encontro com Deus, por meio da oração, frutificam nele. Assim, o jejum não é algo que sobrou de uma prática religiosa dos séculos passados, mas é também indispensável ao homem de hoje, aos cristãos do nosso tempo. 


A Bíblia recomenda muito o jejum, tanto o Antigo como o Novo Testamento; Jesus o realizou por quarenta dias no deserto antes de enfrentar o demônio e começar a sua vida pública, e muito o recomendou. “Quanto a esta espécie de demônio, só se pode expulsar à força de oração e de jejum” (Mt 17,20). “Boa coisa é a oração acompanhada de jejum, e a esmola é preferível aos tesouros de ouro escondidos”. (Tb 12,8). 


O nosso jejum deve ser acompanhado de mudança de vida, conversão, arrependimento dos pecados e volta para Deus. O profeta Isaías chamava a atenção do povo para isso: “De que serve jejuar, se com isso não vos importais? E mortificar-nos, se nisso não prestais atenção? É que no dia de vosso jejum, só cuidais de vossos negócios, e oprimis todos os vossos operários. Passais vosso jejum em disputas e altercações, ferindo com o punho o pobre. Não é jejuando assim que fareis chegar lá em cima vossa voz. O jejum que me agrada porventura consiste em o homem mortificar-se por um dia? Curvar a cabeça como um junco, deitar sobre o saco e a cinza? Podeis chamar isso um jejum, um dia agradável ao Senhor? Sabeis qual é o jejum que eu aprecio? – diz o Senhor Deus: É romper as cadeias injustas, desatar as cordas do jugo, mandar embora livres os oprimidos, e quebrar toda espécie de jugo”. (Is 58,3-6) 

Cada um de nós tem a própria individualidade, por isso, cada um deve realizar a forma de jejum que mais lhe seja adequada.

Um comentário:

  1. A quaresma é período em que revivemos o tempo que antecede momentos determinantes na vida de Jesus, como sua entrada à Jerusalém, a Última Ceia, além de todo o seu sofrimento no caminho de sua entrega na Cruz. E Cristo nos ensina que é preciso esse tempo que antecede, para, como Ele, nos prepararmos para a Páscoa verdadeira. Tempo de reflexão, tempo de conversão, tempo de purificação. Nada de julgamento alheio, momento de olhar para dentro de si e nada mais... Momento de buscar a rejeição de toda forma de pecado que existe em cada ser humano, para então estar fortalecido e carregar a cruz que cada um deve, na esperança da ressurreição com Cristo Jesus.
    PAX!

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