domingo, 18 de março de 2012

Catequese - IV Domingo da Quaresma


Evangelho comentado pelo Pe Carlo Battistoni - Postado por Jorge Kontovski em 15 março 2012 às 12:09


IV Domingo de Quaresma
(Jo 3,14-21)


Disse Jesus a Nicodemos «“Do mesmo modo como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que o Filho do Homem seja levantado, para que todos os que Nele crerem tenham a vida eterna. Pois Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito, para que não morra todo o que Nele crer, mas tenha a vida eterna. De fato,Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele. Quem Nele crê, não é condenado, mas, quem não crê, já está condenado, porque não acreditou no nome do Filho unigênito. Ora,o julgamento é este: a luz veio ao mundo, mas os homens preferiram as trevas à luz, porque suas ações eram más.Quem pratica o mal odeia a luz e não se aproxima da luz, para que suas ações não sejam denunciadas. Mas, quem ageconforme a verdade, aproxima-se da luz, para que se manifeste que suas ações são realizadas em Deus».

Lavs Tibi Christe!


Se a Quaresma nos convidou desde o primeiro dia a termos um olhar mais atento à atitude de conversão, hoje temos um lindo exemplo daquilo que acontece quando a conversão entra em nós. No episódio de Nicodemos (do qual lemos uma parte) podemos descobrir a nós mesmos em inúmeras circunstâncias da nossa relação com Deus e reconhecer as dinâmicas daquele processo que conduz a um encontro sempre mais profundo com o Senhor, processo que chamamos de conversão.

Sem pretensão, mas com o coração disposto a escutar, como discípulos do Senhor, deixemo-nos envolver pelos fatos narrados, lendo com certa atenção.

«Era noite» - diz o Evangelista no início do capítulo do qual é extraído este texto-, uma noite que, na linguagem de João indica tanto um tempo cronológico quanto um tempo “existencial”. Era “a hora das trevas”, quando tudo assume uma fisionomia diferente, quando as coisas não parecem ser aquilo que realmente são; quando a nossa mente gera visões, imagina coisas que não existem, fantasmas. 

O Evangelista, por exemplo, comentará a atitude de Judas Iscariotes dizendo duas vezes que era “noite”. A escuridão é o lugar onde é possível sobreviver sem precisar entrar em conflito, é possível camuflar-se, camuflar as coisas, até mesmo os próprios pensamentos. É isto que aconteceu com Nicodemos. Ele era um membro notável do Sinédrio, a autoridade máxima em Israel; era um fariseu zeloso e respeitado; como poderia alguém tido em tão alta consideração satisfazer o desejo de conhecer Jesus mais de perto? 

Como poderia ele, mestre de Escritura, pedir explicações para um homem que sequer tinha frequentado uma escola rabínica? O que todos pensariam? Como se apresentaria o dia seguinte no Sinédrio? 

Só podia encontrar-se com Jesus “de noite”, às escondidas, protegido dos olhares que o haveriam colocado em “crise”. Quantos obstáculos... a quantos “acordos” precisamos nos submeter quando queremos preservar a todo custo aquela imagem que com muito custo construímos!

Mas o de Nicodemos era um desejo que não podia mais ser abafado.

É aqui, nesta decisão, que estava começando o processo de conversão; por isso o Evangelista terminará este texto falando de“luz”, luz que se impõe sobre as trevas quando se dá o passo certo. A conversão é um processo, algo que simplesmente acontece, começa em nós, às vezes sem que sem que o queiramos já que não é uma imposição da nossa vontade sobre as nossas atitudes. 

Ninguém de nós consegue impor a si mesmo a “conversão”; podemos, sim, impor a nós mesmos una comportamentos, isto sim, mas nada mais do que isto, do mesmo modo que não se pode impor o amor. Ao apelo interior que conduz à conversão se pode apenas responder ou não. A busca de algo a mais surge em nós quando intuímos que o que estamos vivendo não é exatamente aquilo que nos dá felicidade e intuímos que ali, bem diante de nós existe uma porta aberta, mas não sabemos para o quê está aberta, para onde abre... 

Essa porta aberta é uma oferta que Deus faz ao coração de quem está bem disposto, é gratuita, é uma surpresa. Nicodemos procurava com autenticidade a sua fé. Sabemos que ele não estava nas “graças” das outras autoridades do Sinédrio, pois não pensava como eles; por causa disso não foi nem convocado quando do julgamento de Jesus, como a lei mandava que se fizesse. Ora, quando Deus encontra um coração bem disposto, mesmo que esta disposição nada mais seja que curiosidade ou desejo de conhecer mais... então Ele não deixa ninguém sem resposta, não deixa frustrado esse desejo. 

Nicodemos buscava algo mais, não estava acomodado em suas convicções, então Deus pôde agir. 

E aqui começa a segunda fase do processo de conversão. Nicodemos abriu a Jesus as suas dificuldades e confessou a sua incapacidade de compreender as coisas de Deus (cfr. Jo. 3,2-4) ele que era «Mestre em Israel». 

A humildade e a verdade são os caminhos através dos quais Jesus pode ter acesso à nossa vida. Jesus acolheu e ouviu a confissão do fariseu e falou a mesma linguagem dele, para que O pudesse compreender. É assim que Deus age quando quer nos conduzir para a luz; a primeira coisa que faz é ouvir a nossa confissão de insuficiência; ouve o pedido humilde de esclarecimentos e começa a falar a nossa mesma linguagem, uma linguagem diferente para cada um.

A Nicodemos, experto em Escritura, Jesus falou como se faz a um estudioso das Escrituras; citou um episódio narrado no do livro de Números (21,4-9). Naquela os hebreus atravessavam um deserto cheio de cobras peçonhentas. Naquela circunstância, através de um gesto simbólico realizado por Moisés, se apresentava para Israel uma nova lógica para poder percorrer o caminho que Deus indicava, mesmo que insidiado por “cobras venenosas”. 
Quanto houvesse de superstição e quanto de simbolismo não vem agora ao caso, fato é que o gesto de levantar um cobra de bronze sobre uma haste acabou tendo um significado importante do ponto de vista da dinâmica da fé, ou seja, àqueles que estavam preocupados em esquivar “cobras” escondidas na areia, Moisés propunha uma outra atitude: apontar o olhar para o “alto”.

Olhar para o alto, invés que se preocupar com as ameaças escondidas permite de de acreditar e ver as coisas numa outra perspectiva. O que aconteceu foi que, todos os que aceitaram este risco, o risco de não olhar para baixo, não foram picados por serpentes venenosas. Estranho modo de Deus agir!
 

Eis, então um terceiro momento do processo de conversão: aceitar de não controlar passo a passo, detalhe por detalhe a nossa vida, mas de olhar “para o alto”. 

É paradoxal, sim, mas é um pouco como andar de bicicleta: se olharmos para a roda, com o medo de cair... caímos de fato. Conversão é saber que existe uma outra perspectiva e arriscar de apontar para outra direção; isto permitirá de ver aspectos da vida que, do contrário, parecem inexistentes. Mas qual é a perspectiva?

A mentalidade religiosa do judaísmo da época de Jesus, influenciada também pelo conceito grego de justiça, percebia a relação com Deus em termos de obediência ou desobediência às suas leis. Por consequência, o julgamento de Deus era visto como se fosse o pronunciamento de uma sentença de prêmio ou condenação efetuada com base à observância ou não dos ditames. 

Obviamente tal visão tinha aspectos fundamentados também na Escritura, não deixava de ter sentido para Nicodemos; mas a esta visão Jesus ofereceu em alternativa uma outra; isso foi possível apenas porque o Fariseu estava aberto a ouvir algo novo. A observância da lei é importante sim, mas não consegue suscitar o amor; o simples constatar o erro ou a própria limitação não consegue gerar aquela relação que Deus deseja.

Também Jesus confirma que haverá um julgamento. No entanto, podemos nos perguntar: será que os critérios de Deus correspondem exatamente aos critérios usados por nós quando agimos com base num código de leis?

O reencontro com Deus e com o outro -segundo a reflexão da teologia Escolástica e a do Concílio de Trento (sess. XIV), quando fala do sacramento da penitência- acontece quando se passa da constatação do erro (primeiro passo) ao amor para a pessoa que sofreu por causa do erro cometido.

Entendem-se assim as palavras de Jesus: «É preciso que o Filho do homem seja elevado» para que se possa ver o critério que Deus usará. É preciso ver o amor agir até o fim para saber o que é, apenas assim será possível escolher e orientar a vida do homem de fé.

Imaginar e esperar a Deus como um juiz que pronuncia uma sentença de condenação não corresponde à motivação pela qual Deus enviou Jesus a nós. Ninguém pode amar nem se sentir amado sob a pressão de um castigo, é por isso que precisa, como no caso de Moisés, “olhar para o alto”. Este ato provocará, em quem está bem disposto, uma “crise”. Terá que escolher entre a segurança que procura com o seu olhar, mesmo que atento e a proposta inusitada que Deus às vezes nos faz. Assim, às vezes, aquele que não quer perder nada, acaba perdendo tudo... É uma decisão que nos coloca sempre em “crise”.

Por falar em “crise”, a palavra “julgamento” em grego é “crisis”. E indica a necessidade de tomar uma decisão definitiva, que não pode ser mais adiada. Não tomar uma decisão é já uma decisão, é o desejo de não se envolver. Não tomando a decisão o homem decide sobre si mesmo e sobre a sua participação ou não a quanto Deus deseja oferecer-lhe. 

Por isso, Jesus não pronunciará nenhum “julgamento” (no sentido de sentença), ele será o “lugar” para onde as pessoas poderão olhar, a fim de pronunciarem o seu próprio julgamento, um “julgamento” que as aproximará ou não de Deus.

Olhar para o alto, onde está Jesus, significará aceitar a “crise”, e isto já é um grande passo! O “anti-Cristo”, isto é, o que é contrário a Cristo, se manifesta quando o homem escolhe a sua «paz e segurança» (1Tes 5,3); esta é a sua morte.


Eis que estamos no último passo do processo de conversão; esse alcança a sua maturidade quando renunciamos a fixar o olhar para os nossos erros e decidimos, não obstante tudo, olhar “para o alto”. E o que veremos? 

Veremos, então, tudo quanto aconteceu no momento da crucifixão e morte de Jesus. 
 
O seu olhar de perdão, a força da entrega confiante, o amor atento e delicado aos sentimentos de quem estava crucificado ao Seu lado, nenhuma palavra de repreensão, de crítica, de reivindicação, de condenação... Esse será o critério definitivo sobre o qual Deus julgará o mundo: o que Jesus foi lá no Calvário. 

É o que o Concílio de Trento chamava “julgamento da cruz”. Olhando para o alto veremos o mundo com o olhar com o qual Jesus o via. Veremos o amor em todas as suas facetas. Apenas o amor, amor dado e recebido, o único que pode revolucionar o coração de um homem. Isto é conversão, isto é entrar no coração de Jesus.

Um bom domingo
Pe. Carlo

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