Homilia do D. Henrique Soares da Costa – XXX Domingo do Tempo Comum – Ano B
XXX Domingo do Tempo Comum
Mc 10,46-52
Naquele tempo, Jesus saiu de Jericó, junto com seus discípulos e uma grande multidão. O filho de Timeu, Bartimeu, cego e mendigo, estava sentado à beira do caminho. Quando ouviu dizer que Jesus, o Nazareno, estava passando, começou a gritar: “Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim!” Muitos o repreendiam para que se calasse. Mas ele gritava mais ainda: “Filho de Davi, tem piedade de mim!” Então Jesus parou e disse: “Chamai-o”. Eles o chamaram e disseram: “Coragem, levanta-te, Jesus te chama!” O cego jogou o manto, deu um pulo e foi até Jesus. Então Jesus lhe perguntou: “O que queres que eu te faça?” O cego respondeu: “Mestre, que eu veja!” Jesus disse: “Vai, a tua fé te curou”. No mesmo instante, ele recuperou a vista e seguia Jesus pelo caminho.
Laus Tibi Christe!
Comecemos nossa meditação da Palavra de Deus com a primeira leitura. Muitas vezes, na sua história, o povo de Deus experimentou a escravidão, o exílio e a opressão. Muitas vezes Israel experimentou-se como um nada e viu-se numa escuridão tremenda.
Parecia que o povo iria acabar-se! Assim, por exemplo, em 722 AC quando os assírios varreram do mapa o reino do Norte, o Reino de Israel e, em 597 e 587 AC, quando os israelitas do Reino de Judá foram levados para o exílio em Babilônia.
É quase um escândalo, mas é verdade: a história do povo de Deus é uma história de dor e de angústia! Pois bem, é no meio de tal angústia e escuridão que o Profeta fala hoje e diz palavras de esperança, de ânimo e de alegria: “Exultai de alegria, aclamai a primeira entre as nações! Eis que os trarei do país do Norte e os reunirei desde as extremidades da terra”.
No meio da desgraça, Deus consola o seu povo: irá salvá-lo, reuni-lo, fazê-lo reviver. Mas, quem é esse povo? No que se tornou? Quem somos nós, povo de Deus? “Entre eles há cegos e aleijados, mulheres grávidas e parturientes. Eles chegarão entre lágrimas e eu os receberei entre preces, eu os conduzirei por torrentes d’água por um caminho reto onde não tropeçarão… tornei-me um pai para Israel e Efraim é o meu primogênito”.
O Israel que vai experimentar a salvação de Deus é um povo pobre, capenga, humilde… um povo que não conta nada aos olhos do mundo! Como não recordar as palavras de São Paulo aos coríntios?
“Vede quem sois, irmãos, vós que recebestes o chamado de Deus; não há entre vós muitos sábios segundo a carne, nem muitos poderosos, nem muitos de família prestigiosa. Mas o que é loucura no mundo, Deus o escolheu para confundir os sábios; e, o que é fraqueza no mundo, Deus o escolheu para confundir o que é forte; e o que no mundo é vil e desprezado, o que não é, Deus escolheu para reduzir a nada o que é” (1Cor 1,26-28).
Quando pensamos na nossa civilização atual, nos nossos valores, exaltando a eficiência, a riqueza, o conforto, o bem-estar, o vigor e forma física, a saúde… Como os critérios de Deus são diferentes! Israel é imagem da Igreja e é imagem de cada um de nós, membro do povo de Deus da nova Aliança. À medida que descobrirmos nossas pobrezas pessoais e eclesiais, podemos também ter certeza que o Senhor não nos abandona: ele nos chama, ele nos reúne, ele nos salva: “Entre eles há cegos e aleijados, mulheres grávidas e parturientes”, gente fraca, gente sem força, gente incapaz de se defender…
Mas, Deus é nossa defesa: defesa da Igreja, defesa de cada um de nós! Se caminharmos, muitas vezes, chorando, semeando com lágrimas o caminho de nosso seguimento de Cristo, haveremos de voltar cantando, na força e na graça do Senhor: “Mudai a nossa sorte, ó Senhor, como torrentes no deserto. Os que lançam as sementes entre lágrimas, ceifarão com alegria. Chorando de tristeza sairão, espalhando suas sementes; cantando de alegria voltarão, carregando os seus feixes”.
Somente pode experimentar isso aqueles que sabem e experimentam que são pobres diante de Deus, aqueles que sentem sua própria fraqueza! Esta é a experiência que o cristão deve fazer sempre na sua vida, seja pessoalmente, seja como Igreja! Somos pobres, mas Deus é nossa riqueza; somos fracos, mas Deus é nossa força!
Agora podemos deter-nos no Evangelho de hoje, que mostra de modo maravilhoso essa experiência cristã de ser salvo por Deus em Jesus Cristo. Jesus está saindo de Jericó, já está perto de Jerusalém, onde morrerá. Uma multidão o acompanha: barulho, empurra-empurra, aglomeração, aperreio… À beira do caminho, havia um cego mendigo…
Ele era ninguém, nem nome tinha… Marcos só diz que era o “bar-Timeu”, o filho de Timeu… Cego, incapaz de caminhar sozinho, esmolando, sentado à margem do caminho de Jericó e da vida. Este cego é a humanidade; este cego é cada um de nós! Mas, ele ouve o rumor, a confusão no caminho e quando ouviu dizer que Jesus estava passando, não perde tempo; é a chance de sua vida!
Ele grita alto: “Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim!” Repreendem o cego, mas ele grita com voz mais forte! Ele sabe que é a chance da sua vida. Santo Agostinho dizia: “Eu temo o Cristo que passa”… É preciso não perder a chance, é preciso gritar… não deixar o Cristo passar em vão no caminho da nossa existência!
O grito do cego é já um grito de fé. Chamando Jesus “filho de Davi”, o Bartimeu está dizendo que crê que Jesus é o messias: “Filho de Davi, tem piedade de mim!” Repreendem o cego… como o mundo quer nos repreender, quer nos impedir e ridicularizar quando nos reconhecemos cegos, pobres e coxos e gritamos por Jesus: “Filho de Davi, tem piedade de mim!”
Mas o cego insiste; grita mais alto ainda! Então, apesar da distância, apesar da multidão, apesar do empurra-empurra, Jesus escuta o clamor do cego! Como não recordar, comovidos, as palavras do salmo 129? “Das profundezas eu clamo a vós, Senhor; escutai a minha súplica!” Ninguém grita pelo Senhor do fundo da sua miséria e fica sem ser ouvido! “Então, Jesus parou e disse: ‘Chamai-o’. O cego jogou o manto, deu um pulo e foi até Jesus”. Cego esperto, esse: não perde tempo, dá um pulo, deixa tudo, desembaraça-se do manto e corre para Jesus!
Ele segue o conselho do Autor da Carta aos Hebreus: “Também nós, rejeitando todo fardo e o pecado que nos envolve, corramos com perseverança para a corrida que nos é proposta, com os olhos fixos naquele que é o Autor e Realizador da fé, Jesus” (12,1s). Quem dera, fizéssemos assim também: largássemos tudo, deixássemos nossas tralhas e bagulhos, nossos apegos e quinquilharias e corrêssemos para Jesus!
E Jesus? Que delicadeza! Não vai logo curando, como esses curadores de televisão, os falsos profetas da telinha, os RR Soares e Edir Macedos da vida! O Senhor deseja encontrar as pessoas, ouvi-las, com todo respeito: “O que queres que eu te faça?”
O pedido do cego é comovente; é o nosso pedido: “’Mestre, que eu veja!’ Jesus disse: ‘Vai, a tua fé te curou’”. Este deve ser o nosso pedido, mas, para isso é necessário ter a humildade de se reconhecer cego, pobre, necessitado! “Senhor, eu sou o cego do caminho! Cura-me, eu te quero ver!”
O cego foi curado… “e seguia Jesus pelo caminho”. Curado, iluminado por Jesus, agora seguia Jesus como discípulo, caminhando com ele para Jerusalém, para com ele morrer e com ele ressuscitar. Esta é a nossa vocação, este deve ser o nosso itinerário, a nossa experiência de fé!
“Senhor, tua Igreja, peregrina no mundo, é um povo de pobres, de frágeis seres humanos. Mas confiamos em ti! Não queremos colocar nossas força ou esperança no nosso prestígio, ou nas riquezas ou nos amigos poderosos o nos elogios do mundo. Não! Tu somente és nossa força! Salva-nos, Senhor! Reúne-nos, Senhor! Ilumina-nos, Senhor! Dá-nos a graça de reconhecer que somente na tua luz poderemos ver a luz! O mundo chama luz, sabedoria e esperteza a coisas que são inaceitáveis aos teus olhos! Senhor, abre nossos olhos para caminharmos na tua luz até a cruz, até a ressurreição, até à vida. Senhor, arranca-nos da nossa cegueira. Amém”.
D. Henrique Soares
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