Homilia do Padre Françoá Costa – XXI Domingo do Tempo Comum – Ano B
XXI DOMINGO
(Jo 6,60-66)
« Muitos dos discípulos de Jesus, que o escutaram, disseram: “Esta linguagem é dura. Quem consegue escutá-la?”. Sabendo que seus discípulos estavam murmurando por causa disso mesmo, Jesus perguntou: “Isto vos escandaliza? E quando virdes o Filho do Homem subindo para onde estava antes? O Espírito é que dá vida, a carne não adianta nada. As palavras que vos falei são espírito e vida. Mas entre vós há alguns que não creem”. Jesus sabia, desde o início, quem eram os que não tinham fé e quem havia de entregá-lo. E acrescentou: “É por isso que vos disse: ninguém pode vir a mim, a não ser que lhe seja concedido pelo Pai”. A partir daquele momento, muitos discípulos voltaram atrás e não andavam mais com ele. Então, Jesus disse aos doze: “Vós também vos quereis ir embora?”. Simão Pedro respondeu: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o Santo de Deus”.
Laus Tibi Christe!
É Jesus Cristo. Adoremos!
Jesus deixa bem claro que ir ao seu encontro é uma graça concedida pelo Pai e, posteriormente, Pedro reconhece-o com essas palavras: “Tu tens as palavras de vida eterna” (Jo 6,68). Precisamos ir ao encontro de Cristo, considerando esse encontro como um dom, uma graça, um ato de bondade do nosso Deus. Comungar Jesus não é um direito dos fiéis, é um dom. Por isso, nós recebemos a Comunhão, não a tomamos por nós mesmos.
Jesus tem palavras de vida eterna, ele é o Pão que nos alimenta, ele está entre nós em todas as celebrações eucarísticas e, consequentemente, em todos os sacrários da terra. Guardemos, portanto, as duas atitudes primárias que todo ser humano deve ter diante de Deus presente entre nós: silêncio e adoração.
O silêncio é já o começo da adoração: ao reconhecermo-nos criaturas e ao admirarmos a condescendência do nosso Deus, ficamos sem palavras e… adoramos! Neste sentido, é de grande utilidade ter em conta um parágrafo do “Credo do Povo de Deus” (1968) do Papa Paulo VI (n. 26):
“A única e indivisível existência de Cristo nosso Senhor, glorioso no céu, não se multiplica, mas se torna presente pelo Sacramento, nos vários lugares da terra, onde o Sacrifício Eucarístico é celebrado. E depois da celebração do Sacrifício, a mesma existência permanece presente no Santíssimo Sacramento, o qual no sacrário do altar é como o coração vivo de nossas igrejas. Por isso estamos obrigados, por um dever certamente suavíssimo, a honrar e adorar, na Sagrada Hóstia que os nossos olhos veem, ao próprio Verbo Encarnado que eles não podem ver, e que, sem ter deixado o céu, se tornou presente diante de nós.”
Na Sagrada Hóstia, adoremos o Verbo encarnado, Jesus Cristo! Ele “vem de Deus” (Jo 5,46); “desceu do céu” (Jo 5,50) para salvar-nos, e permanece conosco dando-nos a sua carne (cf. Jo 6,51) em alimento. É Jesus Cristo, Deus e homem. Adoremos! Aprofundemos um pouco mais na adoração que se deve a Jesus Cristo e, portanto, à Eucaristia.
A fé cristã diz que em Cristo há uma única Pessoa, a Segunda da Trindade, que é divina, e duas naturezas, a humana e a divina, que estão unidas nessa única Pessoa divina (Concilio de Calcedônia, ano 451). Santo Tomás de Aquino estuda a adoração na S.Th. III, q. 25. Tomás de Aquino começa por dizer que na honra que se dá a uma determinada realidade há que considerar duas coisas: a realidade honrada e a causa dessa honra.
Quanto à primeira: a honra que se deve, por exemplo a uma pessoa, é devida a toda a pessoa, não só à sua mão ou ao seu pé, a uma parte; se por algum motivo alguém dissesse que honra a mão ou outra parte de alguém só o faria em razão de toda a pessoa, pois nessas partes se honraria toda a realidade. Quando à segunda, a causa da honra encontra a sua justificação na excelência da pessoa honrada.
E conclui o nosso teólogo: como em Cristo há uma única Pessoa, a divina, na qual estão unidas a natureza humana e a natureza divina, a Cristo se dá uma única adoração em razão de sua única Pessoa.
Contudo, a adoração que se dá à Humanidade de Cristo é adoração de “latria”, isto é, a adoração devida só a Deus, ao qual o homem se entrega colocando sua esperança de salvação. Considerando que a Encarnação é para sempre, ou seja, a Humanidade e a Divindade em Cristo desde a Encarnação nunca se separaram e jamais se separarão, a pergunta pareceria sem sentido.
No entanto, pensando apenas na Humanidade de Cristo, é preciso dizer, em primeiro lugar, que a adoração que se lhe dá em razão de sua união à Pessoa divina, é uma verdadeira adoração de “latria”. Ao adorar a Santíssima Humanidade do Senhor, estamos a adorar o mesmo Verbo de Deus encarnado.
Nesse sentido, diz São João Damasceno que se adora a carne de Cristo não por causa da carne em si mesma, mas por que está unida à pessoa do Verbo de Deus.
Considerando a Humanidade de Cristo enquanto cheia de todos os dons da graça, devemos-lhe uma adoração de hiperdulia, ou seja, a mesma adoração que se damos às criaturas (a Humanidade de Cristo foi criada). Chegados aqui o leitor poderia assustar-se: Santo Tomás de Aquino diz que se deve adorar às criaturas? Não. Tomás de Aquino simplesmente mostra que na sua época a palavra adoração não tinha o mesmo peso que tem nos nossos dias. Para ele adoração é o mesmo que “honra”.
Desta maneira, o determinante não é a palavra “adoração”, mas a “latria”, que é o tipo de adoração que se deve só a Deus; a adoração de “dulia” é para ele o que nós hoje em dia conhecemos como “veneração”; finalmente a adoração de “hiperdulia”, traduz-se na nossa concepção como uma “veneração especial”. Um exemplo: cantamos no Hino Nacional referindo-nos ao Brasil as seguintes palavras: “Ó terra amada, idolatrada”. Será que estamos idolatrando a nossa Pátria? Claro que não.
Quando dizemos “terra idolatrada” referindo-nos ao Brasil queremos dizer simplesmente que o nosso País é-nos muito querido, estamos simplesmente cumprindo com o quarto mandamento que inclui a amor à Pátria. Que perigo seria ficar só nas palavras sem dar-nos conta do sentido que elas nos trazem! Cada palavra quer significar uma realidade e não podemos simplesmente ficar preso à palavra em si, mas procurar chegar à realidade que essa palavra nos quer transmitir.
É impressionante como Jesus no dia de hoje quis deixar bem claro aos seus discípulos que o que ele estava a falar era algo muito sério: a Eucaristia é o seu Corpo e o seu Sangue, é ele mesmo. E, como sempre, pela verdade Jesus estava disposto a tudo, inclusive a “perder” alguns dos seus, mas não estava disposto a retirar uma só palavra do que ele tinha dito, por mais duras que parecessem: “quereis vós também retirar-vos?” (Jo 6,67).
É ele mesmo. Adoremos!
Pe. Françoá Costa
Nenhum comentário:
Postar um comentário