domingo, 25 de dezembro de 2011

Catequese - Natal do Senhor


Evangelho comentado pelo Pe Carlo Battistoni
Postado por Jorge Kontovski em 22 dezembro 2011 às 13:30

Natal do Senhor
(Jo 1,1-18)

« No princípio era o Verbo; o Verbo estava em Deus; e o Verbo era Deus. No princípio Ele estava em Deus. Por Ele é que tudo começou a existir; e sem Ele nada veio à existência. Nele é que estava a Vida de tudo o que veio a existir. E a Vida era a Luz dos homens. A Luz brilhou nas trevas, mas as trevas não a receberam. Apareceu um homem, enviado por Deus, que se chamava João. Este vinha como testemunha, para dar testemunho da Luz e todos crerem por meio dele. Ele não era a Luz, mas vinha para dar testemunho da Luz. O Verbo era a Luz verdadeira, que, ao vir ao mundo, a todo o homem ilumina. Ele estava no mundo e por Ele o mundo veio à existência, mas o mundo não o reconheceu. Veio para o que era seu, e os seus não o receberam. Mas, a quantos o receberam, aos que nele crêem, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus. Estes não nasceram de laços de sangue, nem de um impulso da carne, nem da vontade de um homem, mas sim de Deus. E o Verbo fez-se homem e veio habitar no meio de nós. E nós contemplamos a sua glória, a glória que possui como Filho Unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade. João deu testemunho dele ao clamar: «Este era aquele de quem eu disse: ‘O que vem depois de mim passou-me à frente, porque existia antes de mim.’» Sim, todos nós participamos da sua plenitude, recebendo graças sobre graças. É que a Lei foi dada por Moisés, mas a graça e a verdade vieram-nos por Jesus Cristo. A Deus jamais alguém o viu. O Filho Unigênito, que é Deus e está no seio do Pai, foi Ele quem o deu a conhecer.».

Palavra da Salvação - Glória a Vós, Senhor!


Enquanto as cidades se preparavam para o novo dia, enquanto alguns ficavam acordados pensando naquilo que iriam fazer logo que amanhecesse o dia, enquanto os soldados protegiam seus presídios e os pobres procuravam como todos os dias o abrigo melhor para passar aquela noite que parecia tão longa... «Vinha ao mundo a luz verdadeira, aquela que ilumina todo homem».


Discreta, silenciosa, definitivamente a porta que une céu e terra foi aberta por um grande “sim”. Um “sim” pronunciado eternamente pelo Filho de Deus ao qual se uniu o “sim” de um homem e de uma mulher capazes de acreditar naquilo em que ninguém acreditaria. Um “sim” à vida, àquela vida que Deus, desde o principio, oferecera à sua amada criatura.

Um “sim” que derrotava definitivamente, em sua raiz tudo o que é “nao-vida” no mesmo instante em que dizia ao mundo: “… É possível !”. Era o fim do pecado “da origem”, da distância que pode nascer na raiz do homem, na sua própria essência quando ele opta para si mesmo; pecado origem de todos os pecados. Deus encurtou, eliminou para sempre esta distância fascinando o coração do homem com o coração do próprio Filho, que vinha ao mundo com as armas do amor sem medida. A partir deste dia Deus e o homem teriam um denominador comum que os unirá definitivamente: Jesus, o homem-Deus. Daí em diante tudo o que é humano é também divino.

O Senhor ao morrer ressuscitará trazendo consigo esta mesma dimensão humana que aceitou por amor e que antecipa hoje o que será amanhã, como dirá São Paulo: «Nos fez sentar no céu com Cristo» (Ef 2,6). Tratava-se do grande mistério que encantou o Evangelista o qual, com maravilhoso estupor escreveu noutro lugar: «Nós tocamos o verbo da vida»; “nós tocamos Deus!” (1Jo1,1). 


Mais certo que o amanhecer, Deus realizava a sua promessa e, daquele dia em diante, a historia não seria mais a mesma.

O dia que celebramos hoje não é somente a lembrança do nascimento de Jesus, é reviver quanto os primeiros cristãos quiseram dizer ao substituir a festa pagã do “sol nascente” (que era realizada o dia 25 de dezembro) com a festa da certeza de que Deus realiza a sua promessa, certeza mais segura que o “surgir do sol”.

É fato notório que não se conhece a data de nascimento de Jesus, principalmente porque na época não se tinha o costume de anotar as datas de nascimento a não ser que se tratasse de reis ou personagens de famílias nobres; e Jesus não era nem um rei nem um nobre. 

Mesmo assim é um dos personagens da antiguidade sobre os quais temos o maior número de informações, mais do que Alexandre Magno, os Faraós etc. A informação segura sobre Jesus é quanto ao ano, mas não em relação ao dia. Como é que, então se chegou ao dia 25 de Dezembro? O significado é mais teológico e espiritual do que cronológico. O fato é que em Roma a grande parte dos soldados cultuavam o deus Mitra que representava o sol nascente; este deus era celebrado de uma forma especial no “solstício de inverno” - 22 de Dezembro - (obviamente lá no hemisfério Norte é inverno quando no Brasil é verão). 

Nesse dia o sol parece “se esconder” por dois dias para depois “renascer” no dia 25 de Dezembro. Ora, sabemos com segurança que a grande parte dos primeiros cristãos era de origem militar; ao aderir a Jesus Cristo, a fé deles os levou a dizer que o “verdadeiro sol nascente”, Aquele que dá a verdadeira vida, a vida que não termina - como, ao contrário, termina a cada dia o percurso do sol que vai desaparecendo num carro de fogo - é  Cristo. 

Testemunho disso é um maravilhoso mosaico descoberto numa necrópole em Roma e que representa Cristo no lugar do deus Mitra (que segundo a mitologia antiga era conduzido por dois cavalos brancos até o Ocidente).

Mas qual o significado mais profundo do Natal? São inúmeros os valores que esta solenidade nos apresenta, gostaria apenas salientar uma, aquela que tanto marcou o Apóstolo João.


Na época em que nasceu Jesus a convicção comum era que o homem pudesse de algum modo não perder-se nos braços da morte se, através de práticas de conhecimento, de contemplação, de austeridade, enfim, se fizesse uma série de esforços suficientes a elevar a sua alma para que esta pudesse ficar o mais possível perto de Deus. 

Sim, nada de errado, mas essa visão tem um grave problema de fundo: deixará sempre uma frustração, pois o homem, mesmo empreendendo tal caminho de “purificação”, de “elevação espiritual”, bem no fundo já sabe que a sua é uma causa perdida, pois nunca o que é humano pode alcançar o que é divino. 

Se assim fosse o homem seria divino... Logo, por esse percurso o caminho espiritual é uma infindável série de esforços da “mente” e da “moral” para tentar alcançar aquilo que já se sabe de não poder alcançar! Mas eis que aqui acontece o paradoxal. Sim, o homem pode tornar-se “divino”, o seu relacionamento com Deus não será apenas um esforço de auto-aperfeiçoamento sem resultado final. Sim, o paradoxal se tornou real a partir do momento em que Deus inverteu o processo: não é o homem que tenta chegar a Deus, mas é Deus que escolhe o homem, qualquer homem, e vai a ele assim como ele é. 

Deus escolhe aquilo que os homens não gostariam de ver de si mesmos, ou seja, tudo aquilo que é frágil, incapaz, conturbado, contraditório... enfim, tudo aquilo que na antiguidade era chamado “carne” em oposição a “espírito” que indicava a parte “melhor” do homem, o homem livre das paixões, projetado no mundo “das idéias” onde tudo é perfeito... 

Pois é, Deus escolheu encontrar o homem lá aonde todo homem vê claramente a si mesmo: na sua fragilidade. É lá que descobrimos realmente quem somos... e, enquanto o sistema cultural do mundo nos pede de fugir, esconder, fingir que não exista o nosso “problema”, é bem lá, na nossa “carne” que Deus se faz encontrar.

A festa de hoje vem nos dizer mais uma vez que, não obstante tudo, no meio de um mundo em que o subjetivismo e o relativismo parecem ser a lei comum que rege as relações, Deus continua nascendo com a solidez de sua palavra dada. 

Deus continua nascendo nos corações, nas estruturas libertadoras e justas. Deus vem nos dizer que não è “tudo relativo”, que esta è a mentira que ilude e confunde o homem contemporâneo e o lança no mais profundo desespero da frustração.

Ele nos recorda que há algo de absoluto. A «luz, ela resplandece nas trevas» é a mensagem de coragem e de esperança de João para todos os que ainda acham que as trevas tenham poder: elas não existem, não tem consistência própria; quando aparece a luz, elas mostram o que são: nada. Ausência pura.

Hoje é a tua festa, não somente de Jesus. É a festa de quem ainda crê que o amor è mais forte do que a arrogância daqueles que, desafiam mais uma vez a vontade de Deus, propondo o conflito e a força de poderes solução dos problemas, pequenos e grandes que forem. Hoje è a tua festa, porque você ainda crê na harmonia que emana do presépio; crê no poder do “sim”, que ultrapassa toda expectativa e se transforma em delicada adesão a Deus. 

Hoje é a tua festa porque a você, que “acolheu a palavra”, é dada uma incrível possibilidade: ser filho de Deus. Mas o que isto significa? Significa que Deus escolheu ter contigo uma relação única, nova, diferente, como a relação de um pai com seu filho. 

Filho a todos os efeitos, como é filho alguém que escolhemos para adotar e fazer parte da nossa família mesmo que não tenha nascido do próprio sangue. Mas não se trata de uma filiação apenas de relação externa, mas que deriva da própria encarnação de Deus: Jesus é o denominador comum entre tudo o que é humano e tudo o que é divino, de tal modo que a minha humanidade, aquilo que eu sou, se une definitivamente com aquilo que Deus é. 

Diríamos, então, que se trata de uma união essencial que passa pela “essência” de Jesus (ou seja: o que Jesus é). Mas é também um “sentir-se” filho. O Evangelista usa a expressão «tornar-se filho». 

Ou seja, nos é dada a possibilidade de experimentar agora o que significa ter uma relação na qual Deus se coloca diante de nós como alguém que nos quer bem, que não julga, que ampara como um Pai ampara e protege o seu filho. Esta segunda dimensão é uma dimensão dinâmica, ou seja, algo que acontece e podemos experimentar progressivamente, à medida com que aprendemos a ouvir, o que Deus nos diz pelo Espírito, a perceber seus pequenos grandes gestos com que nos fala. 

Esta dimensão dinâmica é a resposta que o homem dá à proposta de Deus. É como na Anunciação: Deus propõe, se lança, oferece, o homem diz o seu “sim” quotidiano… e o milagre acontece, acontece a felicidade, acontece o amor.

É um dom ser filho, não é uma conquista, é um dom da pura liberdade de Deus que o concede não a todos, não às trevas, mas a você que “acolheu a palavra”; a você Deus «deu o poder de se tornar filho», poder de se transformar naquilo que já è: filho de Deus, de sentir o que significa tudo isto. E’ o presente de Deus, a sua resposta ao teu “sim”.

Como um grande artista que sabe misturar perfeitamente luz e sombra, o Evangelista nos coloca diante dum Evento, um fato que não permite meios termos, que se coloca como ponto de separação definitiva entre duas mentalidades, a mentalidade de quem acolhe e espera e a mentalidade de quem tenta resolver por si próprio a sua vida. Não posso não entrever, já nas primeiras palavras do Apostolo, (além dos ensinamentos teológicos), uma sutil ironia que è o espelho do comportamento humano e da ação de Deus. 

Naquele período também, como hoje (e como amanha ), entre as classes elevadas, cultas, era em grande relevo a filosofia, a mãe de todos os saberes, e como sempre o homem se perguntava sobre o porque das coisas, sobre o sentido de sua vida e buscava em sua mente as respostas, a “lógica” de tudo isso, do mundo em que vivia (e vive). Os “porquês” encontravam as mais geniais e intuitivas respostas as quais, no entanto, pareciam sempre serem insuficientes.

Os homens de cultura buscavam o “Logos” (que significa “a palavra” no sentido de “palavra chave”, que resolve o problema. Daqui deriva a palavra “lógica”). Buscavam o “sentido” que permeava todas as coisas e que lhes dava um significado… 

Enquanto isso, - diz o Evangelista - enquanto as pessoas buscavam em suas mentes a “lógica” de tudo… «… o Verbo se fez carne». Aquele “Logos” (“Verbo, palavra”) surpreendeu mais uma vez o homem, fazendo-se encontrar não em idéias, mas em “carne”, o que significa na “fragilidade” que é um denominador comum a todas as pessoas e do qual fazemos experiência nos momentos mais delicados da nossa vida.

Se para o mundo dos homens que fazem de sua cultura um poder e uma condição de supremacia o “Logos”, o “Verbo”, o sentido de tudo, permaneceu uma incógnita…. Não foi assim para os simples.


É isto que o Natal vem recordar a todos.

Com quão grande maravilha e gratidão João, em nome de cada um dos que crêem, dirá: «Nos vimos!». São os votos que desejo a cada um de vocês, para que possam dizer ao mundo: “Eu vi!”.

Deus lhes abençoe!
Um Feliz Natal

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