sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Em um mundo anêmico de Cristo



Cardeal Mauro Piacenza, prefeito da Congregação para o Clero, em palestra dada nos Estados Unidos a um grupo de sacerdotes (via blog Messa in Latino, tradução e grifos nossos).

Dorothy Thompson, escritora americana, decênios atrás, publicou em um artigo para uma revista os resultados de uma acurada pesquisa sobre o famigerado campo de concentração de Dachau. Uma pergunta-chave relativa aos sobreviventes era esta: “Quem, em meio ao inferno de Dachau, permaneceu mais tempo em condições de equilíbrio? Quem manteve durante mais tempo o senso próprio de identidade?”. A resposta foi unânime e sempre a mesma: “Os padres católicos”


Sim, os padres católicos! Esses conseguiram manter-se no próprio equilíbrio, no meio de tanta loucura, porque eram conscientes da vocação deles. Esses tinham sua escala hierárquica de valores. A dedicação deles ao ideal era total. Esses eram conscientes da sua missão específica e das motivações profundas que a levantou. Em meio ao inferno terreno, esses portavam seu testemunho: aquele de Jesus Cristo!


Vivemos em um mundo instável. Existe uma instabilidade na família, no mundo do trabalho, nos vários grupos sociais e profissionais, nas escolas e instituições. O padre, porém, deve constitucionalmente ser um modelo de estabilidade e de maturidade, de dedicação plena ao seu apostolado. No caminho inquieto da sociedade, existe muitas vezes uma interrogação à mente do cristão: “Quem é o sacerdote no mundo de hoje? É um marciano? É um alienado? É um fóssil? Quem é?”


A secularização, o gnosticismo, o ateísmo nas suas várias formas, estão reduzindo sempre mais o espaço do sagrado, estão sugando o sangue do conteúdo da mensagem cristã. Os homens das técnicas e do bem-estar, o povo caracterizado pela febre do “aparecer”, demonstram uma extrema pobreza espiritual. São vítimas de uma grave angústia existencial e se mostram incapazes de resolver os problemas de fundo da vida espiritual, familiar e social.

Se quiséssemos interrogar a cultura mais difundida, perceberíamos que essa é dominada e impregnada pela dúvida sistemática e pela suspeita contra tudo o que concerne à fé, à razão, à religião, à lei natural. “Deus é uma hipótese inútil – escreveu Camus – e estou perfeitamente seguro que não me interessa”. 

Na melhor das hipóteses, um pesado silêncio cai sobre Deus; mas se chega rapidamente à afirmação do insanável conflito das duas existências destinadas a eliminar-se: ou Deus ou o homem. Se, então, lançássemos um olhar panorâmico sobre os comportamentos morais, não poderíamos fugir da constatação da confusão, da desordem, da anarquia que reina neste campo. O homem se faz o criador do bem e do mal. Concentra egoisticamente a atenção sobre si. Substitui a norma moral pelo próprio desejo e procura o próprio interesse.

Neste contexto, a vida e o ministério do sacerdote são de importância decisiva e urgente atualidade. Na verdade - deixe-me dizer – que quanto mais é marginalizado mais é importante, mais é considerado superado e mais é atual. O sacerdote deve proclamar ao mundo a mensagem eterna de Cristo, na sua pureza e radicalidade; não deve diminuir a mensagem, mas deve, ao contrário, elevar as pessoas; deve dar à sociedade anestesiada pelas mensagens de certos regentes oculto, detentores dos poderes, a força libertadora de Cristo. 


Todos sentem a necessidade de reformas sociais, econômicas e políticas; todos desejam que, nas lutas sindicais e no discurso econômico seja reafirmada e observada a centralidade do homem e a perseguição dos objetivos de justiça, solidariedade, de convergência ao bem comum. Tudo isso permanecerá somente um sonho, se não se mudar o coração do homem, de tantos homens, que por sua vez renovem as estruturas.

Vejam, o verdadeiro campo de batalha da Igreja é o mundo secreto da alma do homem e nele não se entra sem muito tato, muita compunção, além que com a graça de estado prometida do sacramento da ordem. É justo que o padre se insira na vida, na vida comum dos homens, mas não deve ceder ao conformismo e aos compromissos da sociedade. A Sã Doutrina, mas também a documentação histórica que demonstram que a Igreja é capaz de resistir a todos os ataques, a todos os assaltos que possam acontecer contra ela, de todas as potências políticas, econômicas e culturais, mas não resiste ao perigo que deriva do esquecimento desta palavra de Jesus: “Vós sois o sal da terra, vós sois a luz do mundo”. Jesus mesmo indica a conseqüência deste esquecimento: “Se o sal se torna insípido, como se preservará o mundo da corrupção?” (cfr. Mt 5, 13-14). 

A que serviria um sacerdote assim assemelhado ao mundo, tornado um padre mimetizado e não mais fermento transformador? De frente a um mundo anêmico de oração e adoração, o sacerdote é, em primeiro lugar, o homem da adoração e da oração, do culto, da celebração dos santos mistérios. De frente a um mundo submerso em consumismo, pansexualismo, atacado pelos erros, apresentados nos aspectos mais sedutores, o sacerdote precisa falar de Deus e das realidades eternas e, para podê-lo fazer de modo credível, deve ele mesmo crer apaixonadamente, assim como deve ser “limpo”!

O padre deve aceitar as impressões de ser no meio do meio do povo como alguém que parte de uma lógica e fala uma língua diferente dos outros: “Não vos conformeis à mentalidade deste mundo” (Rm 12,2). Ele não é como “os outros”. O que as pessoas esperam dele é exatamente que não seja “como todos os outros”. Diante de um mundo imerso na violência e corroído pelo egoísmo, o padre deve ser o homem da caridade. Das montanhas puríssimas do Amor de Deus, do qual faz uma particularíssima experiência, desce aos vales, aonde muitos vivem as suas vidas de solidão, de incomunicabilidade, de violência, para anunciar a Misericórdia, Reconciliação e Esperança. O sacerdote responde às exigências da sociedade, fazendo-se voz de quem não tem voz: os pequenos, os pobres, os anciãos, os oprimidos, os marginalizados. 


Não pertence a si mesmo, mas aos outros. Não vive para si e não procura que é seu. Procura aquilo que é de Cristo, isto é, que é dos seus irmãos. Compartilha as alegrias e dores de todos, sem distinção de idade, de categoria social, de facção política, de prática religiosa. Ele é o guia da porção do povo que lhe é confiada. Certamente, não é o condutor de um exército anônimo, mas pastor de uma comunidade formada por pessoas que têm, cada uma, seus nomes, suas histórias, seus destinos, seus segredos.

O sacerdote tem a difícil, mas exaltante tarefa, de guiar estas pessoas com a mais religiosa atenção e com o mais escrupuloso respeito pela sua dignidade humana, seu trabalho, seus direitos, com a plena consciência que, às condições deles de filhos de Deus corresponde em si uma vocação eterna, que se realiza na plena comunhão com Deus. O sacerdote não hesitará em dar a vida, ou em uma breve, mas intensa, temporada de dedicação generosa e sem limites, ou em uma doação quotidiana, longa, no gotejamento de humildes gestos de serviço ao seu povo, direcionado sempre à defesa e formação da grandeza humana e do crescimento cristão de todos os simples fiéis e do inteiro povo seu.

Um padre deve ser ao mesmo tempo pequeno e grande, nobre de espírito como um rei, simples e natural como um camponês. Um herói na conquista de si, o soberano dos seus desejos, um servidor para os pequenos e débeis; que não se abaixa diante dos poderosos, mas que se curva diante dos pobres e dos pequenos, discípulo do seu Senhor e líder de seu rebanho. Nenhum dom mais precioso pode ser concedido a uma comunidade que um sacerdote segundo o coração de Cristo. A esperança do mundo consiste no poder contar, também para o futuro, com o amor de corações sacerdotais límpidos, fortes e misericordiosos, livre, generosos e fiéis. 

Amigos, se os ideais são altos, a estrada difícil, o terreno talvez também minado, as incompreensões são muitas, mas tudo podemos n’Aquele que nos conforta (cfr. Fl 4, 13). O eclipse da luz de Deus e do Seu amor não é a extinção da luz e do amor de Deus. Já amanhã aquilo que estava interposto, obscurecendo a fé, colocando o mundo numa escuridão assustadora, poderá diluir-se, e depois da longa pausa, longa demais do eclipse, retornar o sol, pleno e esplêndido. 

Acima das inquietações e contestações que agitam o mundo, e se fazem sentir também dentro da Igreja, estão em ação forças secretas, escondidas e fecundas de santidade. Acima dos rios de palavras e discursos, dos programas e planos, das iniciativas e das organizações, estão almas santas que rezam, sofrem, expiam adorando o Deus-conosco. Entre esses há crianças e adultos, homens e mulheres, jovens e idosos, cultos e ignorantes, doentes e sadios, e há também tantos sacerdotes, que não somente são dispensadores dos mistérios de Cristo, mas na Babel atual, permanecem sinais seguros de referência e esperança para quantos procuram a plenitude, o sentido, o fim, a felicidade.


Por: Ricardo Passamani



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