CIDADE DO VATICANO, quarta-feira, 1º de junho de 2011 (ZENIT.org) – Apresentamos, a seguir, a catequese dirigida pelo Papa aos grupos de peregrinos do mundo inteiro, reunidos na Praça de São Pedro para a audiência geral.
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Queridos irmãos e irmãs:
Lendo o Antigo Testamento, uma figura se destaca entre as demais: a de Moisés, como homem de oração. Moisés, o grande profeta e guia na época do êxodo, exerceu sua função de mediador entre Deus e Israel, tornando-se portador, com relação ao povo, das palavras e mandatos divinos, conduzindo-o rumo à liberdade da Terra Prometida, ensinando os israelitas a viverem na obediência e na confiança a Deus, durante a longa estadia no deserto, mas também, sobretudo, rezando.
Ele reza pelo Faraó quando Deus, com as pragas, tentava converter o coração dos egípcios (cf. Ex 8-10); pede ao Senhor a cura da irmã Maria, enferma de lepra (cf. Nm 12,9-13); intercede pelo povo que havia se rebelado, aterrorizado pelo informe dos exploradores (cf. Nm 14,1-19); reza quando o fogo estava devorando o acampamento (cf. Nm 11,1-2) e quando serpentes venenosas estavam fazendo um massacre (cf. Nm 21,4-9); dirige-se ao Senhor e reage protestando quando o peso da sua missão se tornou muito grande (cf. Nm 11,10-15); vê Deus e fala com ele "face a face", como se fala com um amigo (cf. Ex 24,9-17; 33,7-23; 34,1-10.28-35).
Também quando o povo, no Sinai, pede a Aarão que faça um bezerro de ouro, Moisés reza, explicando de forma emblemática sua própria função de intercessor. O episódio é narrado no capítulo 32 do Livro do Êxodo e tem um relato paralelo no Deuteronômio, no capítulo 9. É neste episódio que eu gostaria de me deter na catequese de hoje, em particular na oração de Moisés que encontramos na narração do Êxodo. O povo se encontrava aos pés do Monte Sinai, enquanto Moisés, em cima do monte, esperava o dom das Tábuas da Lei, jejuando durante quarenta dias e quarenta noites (cf. Ex 24,18; Dt 9,9). O número 40 tem um valor simbólico e significa a totalidade da experiência, enquanto com o jejum se indica que a vida vem de Deus, é Ele quem a sustenta.
O fato de comer implica na assunção do alimento que nos sustenta; por isso, jejuar, renunciando à comida, adquire, neste caso, um significado religioso: é uma maneira de indicar que não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca do Senhor (cf. Dt 8,3). Jejuando, Moisés indica que espera o dom da Lei divina como fonte de vida; esta desvela a vontade de Deus e nutre o coração do homem, fazendo-o entrar em uma aliança com o Altíssimo, que é fonte de vida, é a Vida em si.
Mas, enquanto o Senhor dá a Moisés a Lei sobre o monte, aos pés dele o povo a desobedece. Incapazes de resistir na espera e na ausência do mediador, os israelitas pedem a Aarão: "Vem, faze-nos deuses que caminhem à nossa frente. Pois quanto a esse Moisés, o homem que nos fez sair da terra do Egito, não sabemos o que aconteceu" (Ex 32,1). Cansado de um caminho com um Deus invisível, agora que Moisés, o mediador, desapareceu, o povo pede uma presença tangível, palpável do Senhor, e encontra no bezerro de metal fundido feito por Aarão um deus que se torna acessível, manipulável, à mão do homem. Esta é uma tentação constante no caminho da fé: eludir o mistério divino construindo um deus compreensível, que corresponda aos próprios esquemas, aos próprios projetos. Tudo o que acontece no Sinai mostra a necedade e vaidade ilusória desta pretensão porque, como afirma ironicamente o Salmo 106, "assim trocaram a sua Glória pela imagem de um bezerro que come pasto" (Sl 106, 20).
Por isso, o Senhor reage o ordena a Moisés que desça do monte, revelando-lhe o que o povo está fazendo e terminando com estas palavras: "Deixa que a minha ira se inflame contra eles e eu os extermine. Mas de ti farei uma grande nação" (Ex 32,10). Assim como com Abraão com relação a Sodoma e Gomorra, também agora Deus desvela a Moisés o que pretende fazer, como se não quisesse agir sem seu consentimento (cf. Am 3,7). Diz: "Minha ira arderá contra eles".
Na verdade, "minha ira arderá contra eles" é dito a Moisés para que intervenha e lhe peça que não o faça, revelando assim que o desejo de Deus é sempre de salvação. Como para as duas cidades na época de Abraão, o castigo e a destruição, com que se expressa a ira de Deus como rejeição do mal, indicam a gravidade do pecado cometido; ao mesmo tempo, a petição do intercessor pretende manifestar a vontade de perdão do Senhor.
Esta é a salvação de Deus, que envolve misericórdia, mas que sempre denuncia a verdade do pecado, do mal que existe, para que, assim, o pecador, reconhecendo e rejeitando o próprio mal, possa se deixar perdoar e transformar por Deus. Dentro da realidade corrupta do homem pecador, a oração de intercessão torna operativa, dessa maneira, a misericórdia divina, que encontra sua voz na súplica de quem reza e se torna presente através dele onde há necessidade de salvação.
A súplica de Moisés se centra na fidelidade e na graça do Senhor. Ele se refere primeiro à historia de redenção que Deus começou com a saída de Israel, para depois recordar a antiga promessa feita aos pais. O Senhor conseguiu a salvação libertando seu povo da escravidão egípcia; "Por que - pergunta Moisés - os egípcios diriam: ‘Foi com má intenção que ele os tirou do Egito, para matá-los nas montanhas e exterminá-los da face da terra’?" (Ex 32,12). A obra de salvação que se começou deve ser completada; se Deus fizesse seu povo perecer, isso poderia ser interpretado como o sinal de uma incapacidade divina de levar a cumprimento o projeto de salvação.
Deus não pode se permitir isso; Ele é o Senhor bom que salva, a garantia da vida, é o Deus da misericórdia e do perdão, da libertação do pecado de mata. Assim, Moisés apela a Deus, à vida interior de Deus contra a sentença exterior. Mas então, argumenta Moisés com o Senhor, se os seus escolhidos perecem, ainda que sejam culpados, Ele poderia parecer incapaz de vencer o pecado.
E isso não pode ser aceito. Moisés teve uma experiência concreta do Deus de salvação, foi enviado como mediador da libertação divina e reza com a sua oração, torna-se intérprete de uma dupla inquietude, preocupado pelo destino do seu povo, mas também pela honra que se deve ao Senhor, pela verdade do seu nome.
O intercessor quer, de fato, que o povo de Israel se salve, porque é o rebanho que lhe foi confiado, mas também para que nessa salvação se manifeste a verdadeira realidade de Deus. Amor pelos irmãos, mas também por Deus se complementam na oração de intercessão, são inseparáveis. Moisés, o intercessor, é o homem dividido entre dois amores, que na oração se unem em um único desejo de bem.
Depois, Moisés apela à fidelidade de Deus, fazendo-lhe recordar suas promessas: "Lembra-te de teus servos Abraão, Isaac e Israel, com os quais te comprometeste por juramento, dizendo: ‘Tornarei os vossos descendentes tão numerosos quanto as estrelas do céu, e toda esta terra de que vos falei, eu a darei aos vossos descendentes como posse para sempre'" (Ex 32,13).
Moisés recorda a história fundadora das origens, dos Pais do povo e da sua eleição, totalmente gratuita, na qual somente Deus havia tido a iniciativa. Eles receberam a promessa não pelos seus méritos, mas pela livre escolha de Deus e do seu amor (cf. Dt 10, 15). E agora, Moisés pede que o Senhor continue fiel à sua história de eleição e de salvação, perdoando seu povo. O intercessor não desculpa o pecado do seu povo, não enumera supostos méritos nem do povo nem seus, mas apela à gratuidade de Deus: um Deus livre, totalmente amor, que não cessa de buscar quem se afasta, que permanece sempre fiel a si mesmo e que oferece ao pecador a possibilidade de voltar a Ele e converter-se, com o perdão, em justo e capaz de ser fiel.
Moisés pede a Deus que se mostre mais forte que o pecado e que a morte e, com sua oração, provoca esta revelação divina. Mediador de vida, o intercessor se solidariza com o povo; desejoso somente da salvação que o próprio Deus deseja, ele renuncia à perspectiva de converter-se em um novo povo agradecido ao Senhor. A frase que Deus lhe havia dirigido - "Mas de ti farei uma grande nação" - não é nem sequer levada em consideração pelo "amigo" de Deus, que, no entanto, está preparado para assumir, não somente a culpa do seu povo, mas também todas as suas consequências. Quando, depois da destruição do bezerro de ouro, volta ao monte novamente, para pedir-lhe a salvação de Israel, dirá ao Senhor: "Mas agora perdoa-lhes o pecado; senão, risca-me do livro que escreveste" (v. 32).
Com a oração, desejando o desejo de Deus, o intercessor entra sempre mais profundamente no conhecimento do Senhor e da sua misericórdia e se torna capaz de um amor que chega até o dom total de si mesmo. Em Moisés, que está no cume do monte, face a face com Deus, e que se torna intercessor pelo seu povo, que oferece a si mesmo - "risca-me" -, os Padres da Igreja viram uma prefiguração de Cristo, que, no alto da cruz, realmente está diante de Deus, não só como amigo, mas como Filho. E não somente se oferece - "risca-me" -, senão que, com seu coração atravessado, faz-se "riscar"; converte-se - como diz o próprio São Paulo - em pecado, carrega consigo nossos pecados para salvar-nos: sua intercessão não é só solidariedade, mas se identifica conosco; Ele nos carrega em seu corpo. E assim, toda a existência do homem e do Filho é o grito ao coração de Deus, é perdão, mas um perdão que transforma e renova.
Acho que devemos meditar nesta realidade. Cristo está diante do rosto de Deus e reza por mim. Sua oração na cruz é contemporânea a todos os homens, contemporânea a mim: Ele reza por mim, sofreu e sofre por mim, identificou-se comigo, tomando nosso corpo e a alma humana. E nos convida a entrar em sua identidade, fazendo-nos um corpo, um espírito com Ele, porque do alto cume da cruz, Ele não trouxe novas leis, tábuas de pedra, mas trouxe a si mesmo, seu corpo e seu sangue, como nova aliança. Assim, torna-nos consanguíneos a Ele, um corpo com Ele, identificados com Ele.
Convida-nos a entrar nessa identificação, a estar unidos a Ele em nosso desejo de ser um corpo, um espírito com Ele. Oremos ao Senhor para que esta identificação nos transforme, nos renove, porque o perdão é renovação e transformação.
Eu gostaria de terminar esta catequese com as palavras do apóstolo Paulo aos cristãos de Roma: "Quem acusará os escolhidos de Deus? Deus, que justifica? Quem condenará? Cristo Jesus, que morreu, mais ainda, que ressuscitou e está à direita de Deus, intercedendo por nós? Quem nos separará do amor de Cristo? (…) Nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados (…) nem outra criatura qualquer será capaz de nos separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor" (Rm 8,33-35.38.39).
Obrigado!
[No final da audiência, o Papa cumprimentou os peregrinos em vários idiomas. Em português, disse:]
Queridos irmãos e irmãs:
Enquanto o Senhor, no cimo do monte Sinai, dava a Moisés os Dez Mandamentos, ao pé do Monte o povo de Israel já estava a transgredi-los, fabricando um vitelo de ouro e prostrando-se diante dele. Por isso Deus reage e manda Moisés descer do monte, dizendo: “Deixa que a minha ira se inflame contra eles e os destrua! De ti farei uma grande nação”. Dizia-lhe isto, na esperança que Moisés intercedesse. É que a punição e a destruição, em que se exprime a cólera de Deus como rejeição do mal, indicam a gravidade do pecado cometido, enquanto a prece do intercessor pretende manifestar a vontade de perdão de Deus.
A súplica de Moisés está inteiramente centrada na fidelidade e misericórdia do Senhor. Mediador de vida, Moisés solidariza-se com o povo; desejoso apenas da salvação que também Deus deseja, renuncia completamente à perspectiva que lhe era oferecida de se tornar, ele mesmo, pai de um povo agradável ao Senhor.
Amados peregrinos de língua portuguesa, a minha saudação amiga para todos, com menção especial das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição em festa pela recente beatificação da sua Madre Fundadora. Esta queria ver-vos todas unidas num mesmo e único pensamento: Deus. No pensamento e serviço de cada uma, o hóspede seja Deus; e, com Ele, a vossa vida não poderá deixar de ser feliz. Sobre vós, vossas comunidades e famílias desça a minha Bênção.
[Tradução: Aline Banchieri.
© Libreria Editrice Vaticana]
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